a arte da vida
fazer do intervalo
o grande espectáculo
body 0113
um número numa caixa de madeira
depois de ter sido um número numa terra
numa estatística numa máquina de fazer números
um número onde cabem inúmeros só números
sem nome sem família sem data de nascimento
só registo de morte e vala comum a tantos números
um número cada vez maior
nas contas dos bancos offshore
do petróleo das matérias primas
da madeira do petróleo do petróleo
do domínio da geografia onde
for possível ainda sugar dólares euros
de corpos cansados famintos destruídos
corpos sem cotação aparente
no mercado de valores commodities nasdak
nada que possa ser adquirido trocado
valorizado considerado investimento
corpos amarrados sugados espoliados
corpos escravizados pelos senhores da guerra
das fábricas de armamento florescentes
de um ocidente decadente e cínico
body 0113
não descanso em paz
o mar pode ser nostrum
mas com que direito o transformamos
no cemitério vostrum?
a globalização do capital é uma frase gasta
mas é uma realidade dura negra árabe
carregada de balas mísseis torturas genocídios
medo fome doença miséria destroços humanos
fuga roubo estupro fuga roubo morte
body 0113
não descanso em paz
não descanso
não
(ria de aveiro; regata da ria; 2014)
postal de longe
quisera não gostar de ti
de te sentir
tão por dentro de mim
como se eu
quisera não te saber
o passado
preso no meu nome
família de
quisera não gostar de ti
assistir
de olhos secos e mudo
cúmplice
moderno sobrevivente
quisera não me deixasses
assim sem terra
nem raízes nem história
deserdado de mim
se é este o teu futuro
seja
mas não contes comigo
nele
antes não te ver mais
para te ofertar como foste
(ria de aveiro; regata da ria; 2010)
da aprendizagem
o poeta menor
sentou-se na soleira
do poeta maior
na pedra fria da porta
colheu as pegadas do mestre
procurou palavras sentires
saberes da escrita
que admirava e não atingia
o poeta menor
levantou-se da soleira
do poeta maior
e tinha o rabo gelado
nada mais aprendera
que a frieza da pedra
(ria de aveiro; regata da ria; 2010)
do sorriso
solares os dias em que sorris
renascido de um tempo parado
és-me de novo não sei por
quanto tempo mais
sou inteiro por instantes
(ria de aveiro; regata da ria; 2013)
no moliceiro “dos netos”, o ti abílio e o zé rebelo
um nós novo
traz-me tudo menos
esse olhar perdido
onde já nada navega
senão o por dentro
de coisa nenhuma
o vazio é um caminho
não o inicies
empresta-me os teus olhos
deixa que os leve até onde
fomos sol e sombra
ombro a ombro os dias galgados
na cumplicidade concebida
de afectos
o vazio é um não lugar
o braço que te abraça
suporta o peso insuportável
dos anos sobre ti
és tu e eu
um nós diverso
em busca de
(ria de aveiro; regata da ria; 2009)