memória de 06/01/2013


a morte do fotógrafo

ericeira; 2009
foi a enterrar hoje

em setúbal

terra onde nasceu

eu também

e fotografou com

o coração

o  meu primo zé pinho


onde quer que

estejas zé

regista a eternidade

para a eternidade


aqui fica uma imagem do mar

onde sado morre

para renascer imensamente
maior


assim tu

abraço forte


guardo o livro de fotos que publicaste

os postais de natal que eram fotos tuas

guardo-te

ericeira; 2009

a prenda


meticulosamente
começou a despi-la

os dedos prendendo-se
nas pequenas coisas
desabituados de

uma a uma
as peças
dispostas com esmero
na cadeira mais próxima

até que
o corpo surgiu inteiro
e puro
limpo de disfarces

admirou-lhe a perfeição
contemplou-a absorto
durante alguns segundos

tinha conseguido

depois
depois entregou a boneca à filha
para que lhe vestisse o conjunto novo
que a mãe momentaneamente ausente
lhe tinha oferecido pelo natal

longe de mim


trago no corpo
o sal do verão
bailes de mar
nos olhos

estou vivo
outono dentro de outono
continuo ainda
a ser corpo

virá a chuva
os dias mais curtos
o céu mais carregado
a angústia serena
agora

virá também o oiro
semeado nas vinhas
que não verei
porque longe do mar

tudo
o que é longe do mar
é longe de mim

até estas palavras
o são cada vez mais

(torreira; sol outonal)

efémero


espuma do tempo
isto somos
tudo e nada
o momento o diz

onde fomos
ainda seremos?
onde somos
seremos o que fomos?

quando não formos
quem será
o que fomos?

sento-me
em frente ao mar
não penso
sento-me
apenas

isso sou
hoje
aqui
onde estou

um homem sentado
a olhar o mar

(torreira; 2010)