postais da minha coimbra_20


sobre coimbra
os olhos deitam-se
e sonham o terem sido
do outro lado da rua
tem havido sempre um outro lado da rua
o sol ilumina as casas
aquece-as
as mãos buscam-no
quase o agarram
de tão próximas

do outro lado de muito mais ruas
sombrios os becos
onde se morde a fome
nas sobras de ontem
de outrem

frio medo revolta
medo revolta frio
revolta frio medo
por dentro

há sol do outro lado da rua
roubaram-no

(coimbra; r. visconde da luz)

postais da minha coimbra_19


sobre coimbra
os olhos deitam-se
e sonham o terem sido
deles direi à margem

inventaram os centros comerciais
a céu aberto
são senhores do marketing
reinam onde o dinheiro escassa

sabem onde e vão
pais do povo a quem estendem
a mão

contrafeito
numa terra onde a marca
marca quem a tem
o prazer de enganar a imagem
de desconstruir os símbolos
não enganam é mesmo feito em portugal
aqui onde quase tudo é feito na china
com marca

sorriem sempre
sorriem muito

de onde vêm para onde vão
é coisa sua
agora
estão aqui e inventam o sonho
a quem só isso resta

sigam-nos

postais da minha coimbra_18


sobre coimbra
os olhos deitam-se
e sonham o terem sido
praça do comércio
beco com saída


fui muito mais do que serei
o tempo é-me agora adverso
o tempo e os homens que nele
consomem o pouco que de mim
resta

as glórias de ter sido
os feitos secretos de um quotidiano digno
os beijos dados e pedidos
os filhos os amigos os amores
as memórias as lutas
sou cada dia mais cada dia menos

esperava mais
esperava o que sempre esperei
como eu tantos
o respeito a dignidade a consideração
um fim de acordo comigo
com o que fui
o que fiz
o que sou
o que merecemos

agora
olho tudo com medo de que mais um
me diga não és
porque não pode dizer não foste
amargam-me o futuro escasso
porque não me podem roubar a vida vivida

tenho-os em pouca conta
que pouco valem no serem assim abjectos
não deixarei porém que me calem
mesmo que agora já não tenha as forças que tive
os meus murmúrios serão o grito da revolta
CANALHAS

estou num beco
com saída