https://youtu.be/5X9Xvb3CUNk a conversa aqui registada ocorreu, em 2018, no atelier de pintura de josé oliveira, com a finalidade expressa de ser divulgada no youtube, tal como foi feito com outras conversas com mestres construtores e outros portadores de memórias da ria. lista dos testemunhos recolhidos: - mestre joaquim henriques (raimundo) - murtosa https://youtu.be/kT2yl0rLJIA - mestre antónio (pardaleiro) - pardilhó https://youtu.be/z9JHZjBqpsI - mestre arménio almeida - pardilhó https://youtu.be/dm363PBzZHE - mestre firmino tavares - pardilhó https://youtu.be/xyanM3R0gCE - mestre zé rito - torreira https://youtu.be/wauI02JEVRw - marco silva - torreira https://youtu.be/o4pX6936H4s - ferreira nunes - murtosa https://youtu.be/6Lsn6BMnq98 - francisco faustino (conversas murtoseiras) - murtosa https://youtu.be/15VOlIjMRuw https://youtu.be/Ose734zN3LY https://youtu.be/RSUBVjidwjE - ti abílio fonseca (carteirista) - murtosa https://youtu.be/L3F4gt12L30 https://youtu.be/MbJJ6FwOVTk https://youtu.be/zZq76RH8QZE - ti zé rebeço - murtosa https://youtu.be/_wUYPqHAeo8 - diamantino dias - aveiro https://youtu.be/PLRsbv_GQqA (várias vezes tentei encontrar-me com o mestre felisberto amador (caçoilo) de pardilhó, nunca conseguimos encontrar-nos para fazer uma gravação. fica assim por preencher esta lacuna, haja alguém que a complete que, por mim, a tarefa a que me propus está concluída)
memória dos mestres
entrevista de mestre felisberto amador (caçoilo) ao diário de aveiro de dia 3 de novembro de 2020
Felisberto Amador molda moliceiros
na madeira bruta há quase 50 anos
Estarreja
É um dos últimos embaixadores da arte da carpintaria naval, talhando artesanalmente embarcações tradicionais da ria de Aveiro num estaleiro desactivado situado em Pardilhó
(Luís Ventura)
A freguesia de Pardilhó, no concelho de Estarreja, é uma terra de bons e afamados carpinteiros de construção naval da Ria deAveiro. Entre estes, o mestre Henrique Lavoura é um dos nomes de referência.
No seu antigo estaleiro desactivado de Pardilhó, no acesso à Ribeira da Aldeia, com capacidade para construção e reparação de embarcações até 50 toneladas, muitos aprenderam a arte, mas poucos resistiram.
Felisberto Amador, 61 anos, foi um deles. Aprendeu a arte da construção naval, ao mesmo tempo um património cultural, material e imaterial que se funde com a história local e com a sua própria estória.
A sua vida é uma narrativa criada à volta das ferramentas e utensílios usados na construção de todo o tipo de embarcações. A partir dos 14 anos, Felisberto Amador não teve outra vida. “O meu pai e irmãos eram carpinteiros, mas eu não queria, por isso, fui para casa do meu primo Henrique Lavoura, que tinha um estaleiro, e lá aprendi esta arte”, contou ao Diário de Aveiro. “Verdade seja dita, todos os que trabalham nesta área por aqui são discípulos dele”, sublinha, atestando a importância e conhecimento do primo, cujo espólio pode ser admirado no Centro de Interpretação da Construção Naval, instalado na freguesia de Pardilhó.
Felisberto Amador molda a madeira com uma facilidade que impressiona. “Tudo o que fosse de madeira bruta era comigo”, diz a rir. “Cheguei a fazer um barco moliceiro sozinho, num mês”, atira, com orgulho. Mas depois tudo mudou com as alterações no ecossistema lagunar. O moliço foi desaparecendo da Ria e “chegámos a uma fase em que estivemos muito parados e quase todos desistiram desta arte”. Com o advento da década de1980, “fiquei sozinho a trabalhar, a arte deixou de ter futuro e mandei o meu filho empregar-se porque mal dava para eu comer”.
Felisberto Amador chegou a fazer o luto à arte. “Estava convencido de que isto ia acabar, mas então começou a febre dos passeios turisticos nos canais de Aveiro e isto reavivou, ressuscitou. Foi uma alteração muito grande porque antes disso não havia nada”, recorda.
O regresso à Ria
Começou por construir um mercantel para a empresa Cale do Oiro, um operador turístico aveirense, e, entre outras encomendas, agora está a fazer a manutenção de mais um. Diz–lhe a experiência que “todos os anos estes barcos deviam ter muita atenção, porque da linha de água para cima estão sempre fora de água, secam e estragam-se”. Quando faziam o que lhes estava destinado originalmente, “andavam sempre fresquinhos, carregados com moliço e sal, para cá e para lá. Agora não, levam calor e chuva por cima e duram pouco tempo”.
O último moliceiro que construiu e vendeu foi há três anos e, hoje, mantém um guardado em casa, de estimação, e por gosto.“Como já não há moliço, tenho um barco para que a tradição não morra por aqui, em Pardilhó”, esclarece. Mete-o na água no cais do Nacinho “para brincar e fazer umas regatas na Murtosa e em Aveiro”. “Este ano nem fui”. Antigamente,“ os barcos iam todos daqui, de Pardilhó. Até fragatas iam para o Rio Tejo”, recorda ouvir dizer.
O Centro de Interpretação da Construção Naval, que substituiu o velho barracão existente na Ribeira da Aldeia, além de espaço museuológico, prevê a realização de actividades de construção naval de embarcações tradicionais e formação profissional de carpintaria, entre outras actividades. Homenagear a arte da carpintaria naval é, também,uma forma de apreservar, incentivando os mais novos a aprender e a adquirirem estes conhecimentos junto dos construtores navais ainda em actividade.
Ainda hoje, além de Felisberto, nos seus estaleiros, os construtores navais António Esteves e Arménio Almeida talham artesanalmente muitas embarcações,usando o pau de pontos, onde estão gravadas as medidas das embarcações, a serra de mão, o enxó ou a gata, que serve para erguer peças na embarcação. Para aprender tem de ser com eles. Felisberto Amador não parece muito convencido: “A malta nova é dificil, mas pode ser que consigam atrair algum”.
Atrair a juventude
Hoje é tudo muito efémero e “um moliceiro demora muito a construir”, ajuiza, alertando que os construtores debatem-se, além de tudo, com dificuldades para encontrar boa madeira: “Está muito difícil de arranjar madeira de pinheiro manso”, num contraste preocupante com o que se passava até recentemente. “Antes havia toneladas de madeira de qualidade, em Albergaria-a-Velha, para escolher, mas os fogos destruíram, reduziram tudo a cinza e já não há como havia. Havia pinheiros limpinhos que eram uma maravilha para fazer as imprescindíveis costelas dos barcos moliceiros”. Agora, tem de ir a Alcácer-do-Sal. “É complicado”, sintetiza, com ar de quem nem gosta de falar no assunto.
Para se ser mestre de construção naval, hoje, tem de se “gostar muito”e estar disposto a ultrapassar muitos obstáculos, o que desmotiva mesmo os mais inveterados, como Felisberto Amador: “Enquanto puder vou trabalhando, mas já não consigo fazer um moliceiro num mês, como já fiz”, ri-se, para que não restem dúvidas. “Após um dia de trabalho, quando me deito, dói-me o corpo todo, mas de manhã está tudo bem. Enquanto assim for, vou continuando”, promete
O engenho e a destreza dos mestres
A construção de barcos em madeira no concelho de Estarreja remonta ao século XIX. Segundo a Estatística Industrial do Distrito de Aveiro, de 1867, Estarreja, que então abrangia a Murtosa, registou o lançamento à água de 85 barcos, entre os quais barcos grandes de pesca no mar. O engenho e destreza dos mestres e a abundância da mão-de–obra especializada justificou a fixação, em Pardilhó, em 1937, da delegação distrital dos Sindicatos dos Operários da Construção Naval. Na década de 40/50 havia, só em Pardilhó, mais de 30 carpinteiros navais no activo. Hoje, restam três devidamente homenageados com a atribuição, em 2019, da Medalha de Mérito Municipal, o galardão máximo atribuído pelo município de Estarreja
(nota: de todos os mestres ainda a trabalhar, o mestre felisberto amador (caçoilo) é o único de que não tenho entrevista gravada em vídeo. adiada de ano para ano. vamos ver se em 2021 é de vez.
para ver as entrevistas em video basta entrar no meu canal no YouTube)
em pardilhó com mestre arménio almeida
em julho de 2018, no estaleiro do mestre arménio de almeida, sobrinho do mestre henrique lavoura, registei um breve apontamento sobre a vida de um dos últimos mestres construtores navais, de escola tradicional, ainda em laboração.
em pardilhó, na ribeira da aldeia, falámos desta coisa que é a construção naval tradicional na ria de aveiro, barcos de mar, moliceiros, mercantéis, bateiras, ferramentas e métodos de trabalho
as ferramentas, moldes e paus de pontos, exibidos nesta conversa, saliento a “plaina curva” usada nas cavernas.
do registo para que não se esqueça, ficam as imagens possíveis