o pau de fósforo viu a vela e ao vê-la não resistiu foi de pau feito acendê-la
(cabrita alta; o lavar as lamas do redenho; torreira; 2012)
gosto muito de mínimas máximas há que baste por aí sempre as houve mas é nas mínimas coisas que os olhos que sabem ver se perdem que o coração que sabe sentir se afoga que as mãos sábias se encontram são as mínimas coisas que nos ferem e nos alegram por isso cada vez mais gosto muito de mínimas
joão manuel dias e joão manuel brandão
notas de um retirante
joão manuel brandão e a cabrita alta
“Como Deus não pode alterar o passado, é obrigado a depender dos historiadores para o fazerem”
Afonso Cruz, em “MIL ANOS DE ESQUECIMENTO”
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vivografia e bibliografia
não, não há troca de bb por vv, são duas formas de descrever os dias.
na “vivografia” recolhem-se testemunhos, vivem-se os dias de quem ou daquilo sobre que se quer escrever. usam-se fontes “directas”.
consultando bibliotecas, textos escritos por outros, apresenta-se no fim do escrito a “bibliografia”. usam-se “fontes indirectas”.
o escrito passará mais tarde a bibliografia de outros, passará a ser fonte e …. se a fonte não reflectir o real?
exemplo:
bibliografia: “ A par da apanha legal de bivalves tem-se desenvolvido nos últimos anos a apanha ilegal dos mesmos, sem licença, potenciada pelas suas periódicas interdições por razões de saúde pública”
(escrito em 2016, já é passado em 2017)
vivografia: conhecendo a realidade da ria, podemos dizer o seguinte:
em 2012 e até 2014, houve uma proliferação extraordinária de ameijoa japónica na ria de aveiro. período que coincidiu com a crise. nestes anos um número anormalmente grande de ilegais invadiram a ria, a pé, mas a colheita foi perfeitamente marginal e sem significado, face à captura feita pelos pescadores profissionais e legalizados. em 2015 a japónica quase desapareceu.
a apanha em períodos de interdição, embora exista, continua a ser marginal, nos circuitos de apanha e comercialização.
o que é ilegal há muitos anos e, aí sim, temos valores significativos, é apanha de bivalves com artes ilegais.
não digo mais nada, porque toda a gente sabe do que falo ….. toda a gente que conhece a ria, digo eu.
por vezes, mais vale não dizer nada do que “querer tapar o sol com a peneira”.
(cabrita alta – arte legal; 2012)
cabrita alta
joão manuel dias
escrevo sete metros
nunca menos
mais de dez quilos
lançar arrastar puxar
lama cascas ameijoa
quantos quilos mais?
os músculos retesados
joelhos fincados
na borda na bateira
esmagam rótulas
tenso o dorso
o esgar na boca
nos olhos no rosto
os dentes cerrados
o esforço verga o corpo
desgasta-o deforma-o
o homem não é de ferro
a cabrita sim tem dentes
ferrados na lama na carne
rasga músculos fere
escrevo sete metros
nunca menos
mais de dez quilos
quero que os sintas
ao leres
no fundo da ria e cabrita arrasta
(torreira; cabrita alta; 2012)
joão manuel brandão (3)
sofridas letras
esculpidas na carne
escritas no rosto
saber os caminhos
do suor ao oiro
da dor à fortuna
é uma outra ria
onde é sempre
maré vazia
cheia de lamas
apodrecidas
depositadas
nas margens
este é o postal
que não encontrarás
no sítio habitual
(torreira; cabrita alta; 2012)
joão manuel brandão (1)
das muitas artes de pesca que ainda se praticam na ria e que pude acompanhar de perto, a arte da “cabrita alta”, para apanhar bivalves é, sem dúvida, a mais dura.
com o joão manuel brandão e o joão manuel dias, em 2012, pude ver de perto o sofrimento que provoca no mariscador.
as fotos que vou publicar são do joão manuel brandão e mostram bem o esforço que se lhe espelha no rosto.
coluna, joelhos, braços, pernas, todo o corpo é uma máquina que se desgasta nesta arte duríssima e que, mais dia menos dia, os leva ao bloco operatório ou à fisioterapia.
parca paga, enorme o desgaste, maior a despesa.
(ria de aveiro; torreira; cabrita alta; 2012)