
rosabela afonso e maria joão fialho gouveia
“Portugal primeiro” pode servir para um campeonato, um festival, uma guerra, mas é com certeza o país onde gostei de nascer e espero morrer.
ahcravo gorim *
Vejo um jovem másculo, dinâmico, barbeado, praticante de culturismo, num concurso mundial de beleza masculina.
Das bancadas uma jovem, digna de capa de revista, grita: “Portugal primeiro”.
O jovem responde pelo nome, olha na direcção de onde veio a voz, enche o peito de ar, exibe os bícepes e os peitorais esplendorosos.
O júri, perante as amostras a concurso, mostrava-se indeciso na atribuição da classificação final. Porém aquele grito despertou-o da dúvida e a decisão foi tomada a quente.
Num placard erguido por sobre as cabeças ilustres dos membros do júri pôde ler-se de imediato: “Portugal primeiro”.
Depois acordo e estou a assistir pela televisão ao congresso de um partido, onde o candidato a líder afirma “Portugal primeiro”. Esfrego os olhos, não sei se ainda sonho. Utilizo o comando para voltar a rever e ouvir. Confirmado.
Ora Portugal é um País, ponto final, parágrafo.
Para uns é identificado pela Língua, Cultura, População, Geografia, Hino, Bandeira, selecções várias e por aí fora. Mas quantas Culturas há dentro da Cultura? E que dizer da População? Até na Geografia há tanta diversidade!
Para outros é um conjunto de indicadores que a deusa da estatística fornece e que podem ser manipulados consoante os fins pretendidos, há deusas assim. Números, números e mais números, frios, calculados e calculistas. Os escravos dos números só se libertarão com letras.
Siga o congresso!
“Portugal primeiro” pode servir para um campeonato, um festival, uma guerra, mas é com certeza o país onde gostei de nascer e espero morrer.
“Portugal primeiro” não é um projecto político, sequer um projecto para um projecto de uma proposta de uma política, é um vazio cheio de muita coisa e de nada.
Se a “demagogia é o principal inimigo da democracia” falar de tudo sem nada dizer e fazer disso uma bandeira o que será? “Portugal primeiro” o que é?
Estaria perfeitamente de acordo com a frase se me dissessem: somos contra os offshores, contra as mudanças de sedes de empresas para outros países, por exemplo. Gostava de ouvir isso claro e explícito. Mas será que é isso que se pretende?
“Portugal primeiro” não deverá ser encarado como o “America first” de Trump, mas que o pode fazer lembrar, isso pode e é perigoso. Até porque Rio não é Trump, embora muitos portugueses ainda sonhem com a América.
* Aposentado da função pública, mestre de artes e ofícios.
o link para a crónica
http://www.noticiasdeaveiro.pt/pt/47232/portugal-primeiro/
até um dia
por sob a claridade
habitam o silêncio
o obscuro domínio
(diria eugénio)
refúgio de
ratos e similares
alimentam-se bem
do outro e do seu esforço
caminham seguros
mandam e desmandam
mais que fazer
fazem-se
até um dia
(torreira, cirandar, 2016)
c.p. 3870-155
o mar não é falso
é da sua natureza imprevisível ser
falsos serão os que
quando deles se espera que homens
coisa de fraco valor se revelam
por tão pouco se venderem
(torreira; 2016)
escrevo-me aqui
a certidão de nascimento
diz onde nasci nada mais
tenho um endereço
uma rua um número de porta
um andar um espaço
onde correio recebo e durmo
escrevo minha gente
e encontro-a em qualquer geografia
se de injustiça vítimas forem
a minha terra é uma aldeia
onde de centenárias raízes
bebo a água dos dias por haver
escrevo-me aqui
(torreira; s. paio; 2017)
achega
achegar
fácil julgar o ontem
com os olhos de hoje
tão fácil que até tu
de juiz te vestes
papagaio
(morraceira, salina dos doutores; 2017)
dos sábios e da sabedoria
sábios os que não falam
porque não erram
sábios os que nada fazem
porque ninguém lhes critica a obra
mais sábia a estátua
onde poisam pombas
que lhe cagam em cima
(ria de aveiro; regata da ria; 2010)
depois de largar e alar
safar peixe se houver
há que safar e arrumar as redes
são muitas as horas
para tão pouco ganho
falo da solheira