postais da ria (346)


essencial

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torreira; cirandar; 2011

 
como a água essencial
a palavra
filtrada joeirada lavrada
 
na depuração do sonho
acordar apenas
no exacto instante em
que te beijo
 
no ramo restam as flores
com o teu perfume
nos meus dedos ainda
 
torna límpidas as manhãs
mesmo se de nevoeiro
o poema que não escrevi
 
os teus olhos são sempre
o essencial
 

postais da ria (288)


sopa de letras

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cirandar para a borda

 
a menina maria
e o ti zé augusto
foram os meus avós paternos
 
na ladeira das fontainhas
em setúbal
bairro de murtoseiros
e pescadores
tiveram uma mercearia
uma taberna e seis filhos
 
quando a sopa da menina maria
era mais cheirosa
o aroma corria pela ladeira
até casas menos abonadas
de onde vinham grávidas
com uma malga para uma sopinha
senão ficavam ógadas
sorria a menina maria
 
lembrei-me desta história
a propósito de certas visitas
a malga agora é outra
e a sopa é de letras
 
(torreira; cirandar; 2013)

postais da ria (281)


mau feitio

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os rilho, pai e filho, a mesma faina

chamam-lhe rio
e é salgada a água

chamo-lhe memória
e é cada vez mais isto
imagens penduradas
nos olhos onde amigos
nascentes de sentir

chamo-lhe mar e digo
há outras praias
onde a mesma gente
com outros nomes
a mesma arte

tens mau feitio dizem
sabes não é fácil
ser rio de água salgada

(torreira; cirandar; 2016)

postais da ria (239)


aos homens e mulheres da ria

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cirandar e escolher

existem homens
que fazem barcos
como se filhos

existem homens
que os encomendam
fazem neles vida

existem mulheres
camaradas dos homens
na faina dos barcos

homens e mulheres
sempre
mulheres e homens

os barcos só
não existiriam

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(torreira; cirandar; 2016)