há tanto para dizer
e são tão poucas as palavras
resumo-me ao fazer
ao saber que se quisermos
faremos e seremos
digo basta e tu sabes
que outra palavra por detrás
digo basta e dói-me
esta gente desiludida
a votar no engano
há tanto para dizer
não basta escrever
não outra vez não
basta
vêm os homens do mar
não deixa o mar o homem
onde antes de corpo todo
só olhos navegam agora
conheço-os pelo olhar
pela saudade salgada
nasceram em terra e à terra
o corpo um dia darão
rente ao mar o cemitério
assim não estranharão
olho as palavras
que foram minhas
com o espanto
de o terem sido
quem fui
para as ter escrito
quem sou
quando as escrevo
quem serei
quando as lerem
indiferente o agostinho
dá o porfio ao saco
essencial para o pescador
é um bom laço de carapau
gostava muito de se sentar
e ficar assim a olhar o mar
um livro
poisado nos braços
os olhos pendurados no horizonte
como era imensa a janela
incomensurável a casa
(nota: reparem na “ferramenta” de aço inox, utilizada para suportar a manga, a conduzir e impedir que roce na areia. na praia da torreira e na de mira, conhecia a técnica do cruzamento dos bordões/estacadões que se fazia para produzir este efeito. inovação meus caros, na xávega inova-se, é bom que se inove porque é sinal de que continua. será que algum dia, alguém ao ver isto vai dizer que já não é xávega? sei lá?)
escrevo o tempo com imagens
guardadas nos baús digitais
da memória comprada
a informação diz-me o quando
eu sei onde ainda sei
quando tudo foi ontem e ontem
foi há tanto tempo
sei deste caminho feito
de achares e perderes
sei que valeu a pena
homens que conheci para desconhecer
o tempo tudo limpa e lava
mesmo o que mais fundo à superfície vem
escrevo o tempo com imagens
como todos os que arriscam palavras
escrevo-me também e isso não é novo
para ninguém
em 2005 continuava a trabalhar na praia da torreira a companha dos murtas, com o barco olá sam paio.
dos irmãos zé e antónio murta. o antónio era mais o homem de mar e o zé o de terra. creio que é em 2005 que falece o antónio em naufrágio à beira praia.
era, e é, opinião minha, uma companha familiar – da propriedade à própria composição da companha.
para além dos arrais e donos, não posso deixar de me lembrar da marlene, filha do zé, que era a responsável pela “contabilidade” da companha, e do redeiro, ti caetano da mata.