estou vivo
coado escorre
pelas mãos o tempo
os mais belos momentos
nos dedos
presos
morrer é não
deixar rasto
perco-me
(ria de aveiro; regata da ria; 2010)
(a propósito de “galveias”, o último do josé luis peixoto)
apetece-me não dizer nada
não juntar palavras
na tentativa de ao fazê-lo
dar algum sentido
a coisa nenhuma
não escrevo para
escrevo porque
estendo os braços sobre o tempo
abraço um nome
tantos nomes
um corpo
tantos corpos
a memória dos outros inscrita em mim
apetece-me não dizer nada
a leitura das grandes obras
deixa-me sempre um vazio
uma noção da pouca valia do que
por aqui vou deixando
sem pretensões
mas vou deixando
vou deixando
assistir ainda aos últimos
aos que ainda
emprestam beleza à ria
cisnes últimos desta laguna
que a aveiro emprestou a beleza
ide
fotografai o que deles resta
os amputados
os bastardos fibrosos aleijados
que jazem
no canal principal
ide
inventaram uma outra ria
para vender em postais
uns barcos de fazer de conta
para quem memória não tem
dos cisnes reais e seus vogares
assisto ao fim de um tempo
e dói-me
não o ter sido um dia
mas o cinismo com que se constrói
o amanhã
postais?
postais há muitos
(ria de aveiro; torreira; moliceiro do mestre zé rito; jun.2014)
filho do alfredo miranda, a quem devo o manual do curso para arrais da ria e que muito jeito me tem feito, e neto do mestre zé rito – antigo moliceiro e actualmente mestre construtor de bateiras e moliceiros no estaleiro da torreira – o zé pedro é um verdadeiro homem da ria.
atento a toda as obras do avô, tem sempre um reparo a fazer, mas é a velejar e ao leme dos moliceiros que se sente bem.
aos 14 anos de idade, ao leme do moliceiro do ti manel valas, primo do avô, ficou em segundo lugar na regata do s. paio da torreira, de 2013.
é em putos como ele, com a tradição no sangue, a arte nas veias e a cultura que vão adquirindo na escola, que a ria continuará a viver.
(torreira; 2013)