os moliceiros têm vela (35)


abraço, ti zé rebeço

e à vara o moliceiro vai varar na praia

e à vara que o vento ……

conversa a dois

– tá descalço, ti zé?

– não, cravo, trago os sapatos que a minha mãe me deu quando nasci

um homem grande, um homem bom, um homem com coração de oiro, um amigo

filho da terra, irmão da ria, puro e simples como poucos

abraço, ti zé

parados num tempo sem vento

parados num tempo sem vento

(murtosa; regata do bico; 2010)

os moliceiros têm vela (25)


a (minha) matemática do tempo

ouço-me para te ouvir

ouço-me para te ouvir

somam-se os dias
subtraem-se os anos
multiplicam-se os instantes
dividem-se as horas
o infinito é já ali
onde ontem

quando sou já fui
quando for não sei
de passagem tão só
sou tudo o que deixei

um ano mais
um ano menos

um ano apenas

a beleza é tão frágil nas mãos do homem

a beleza é tão frágil nas mãos do homem

(murtosa; regata do bico; 2012)

os moliceiros têm vela (18)


haja janelas

há um barco que nos espera para partir

há um barco que nos espera para partir

falo agora de um tempo cansado
curvado ao peso dos dias
o meu tempo
eu

é duro neste tempo onde o meu por dentro
olhar e ver
sentir
ser irmão do irmão
e irmão de ainda mais

solidão não é estar só
é estar mal acompanhado

falo de mim e digo
amanhã serei o mesmo
doa o que doer
a quem doer

haja janelas

não partas antes de mim

não partas antes de mim

(murtosa; regata do bico; 2007)

postais da ria (35) – carta aos patrões da pátria


postais da ria (35)

um moliceiros no cais do bico, murtosa, em 2009

um moliceiros no cais do bico, murtosa, em 2009

“A pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões! (José de Almada Negreiros) “

pergunto-vos onde estou
e sei que sabeis que não sabeis
ou se o sabeis não o lamentais

não sei sequer se ainda sou
porque se o for já nada é como vedes
neste fragmento de tempo parado
diante dos olhos de quem para mim
ao ver-me se lembra de o ter sido

se em vida me não destes a mão
ao menos agora quando as forças me faltam
deixai que me recordem como fui

não há muito tempo um cartaz pedia
“não matem os moliceiros”
hoje agora aqui
apenas vos pedimos
“não matem a nossa memória”

(assinado: um moliceiro)

como eu era belo há tão pouco tempo

como eu era belo há tão pouco tempo

(murtosa; bico; 2009)

postais da ria (23)


abílio carapelho (ti abílio carteirista)

abílio carapelho (ti abílio carteirista)

 

aos moliceiros resistentes

 
que fique destes homens
a memória de serem enormes
maiores que os barcos onde teimam
reviver um tempo onde jovens
noivos de uma ria que bela era

mais mereciam que as mansas falas
da pequena gente
que migalhas tardias distribui
apressada no aperto de mão
no sorriso fácil
no jeito de boiar na lama

as velas enfunar-se-ão uma vez mais
os moliceiros voarão por sobre as águas
a ria rejuvenescerá
tudo parecerá ser o que já não é
sem saber até quando será

até amanhã amigos

 
amanhã, dia 3 de agosto, há regata no bico. o vento parece que vai ajudar…

 

http://www.windguru.cz/pt/index.php?sc=48947

até quando?


os cisnes da ria ainda em bando

tudo agora é aqui
assim te sentes perante estas imagens
nada existe para além de
nada é
nada

suspendeste o tempo
és

regressas por instantes e
refazes tempos e cenários
a memória é a mão que te guia
nesta viagem quase impossível ao tempo
quando
ao lugar onde
tudo é recriado para ser mais ainda

suspendeste o tempo
sacodes o cabelo
voas no vento onde os cisnes

até quando?

os cisnes da ria ainda em bando

(regata de moliceiros; bico; murtosa; 2007)