os moliceiros têm vela (114)


(para uma menina grande
que nunca será daqui)

miragem real

miragem real

preciso de falar de ti

olho e vejo e não vejo
o que vêem os teus olhos
vejo-te e uma lágrima

braços e mãos em movimento
permanente e aleatório
os sons guturais que emites
palavras de uma língua só tua
olhos como se todo o corpo eles

que vês quando olhas?
porque sorris?
que mundo é o teu?

olhas-me olho-te
tenho a certeza do desencontro

todo o tempo cabe num instante

todo o tempo cabe num instante

(torreira; regata s.paio; 2010)

os moliceiros têm vela (110)


carta em branco

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escrevi uma carta em branco
com destinatário e remetente

até hoje
não recebi qualquer resposta
mas tenho a certeza de que
a escrevi

não me entenderam com certeza
mas também não volto a insistir

missão cumprida

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(torreira; regata do s. paio; 2014)

os moliceiros têm vela (107)


não prestas

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braço a braço vencer
o cansaço
de tanto peso morto
pendurado
no sol de haver quem
o traga

a água  chega-te
fresca
à boca alheio suor
a trouxe

no dizer da terra
de bico amarelo
os que como tu

eu digo
não prestas

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(torreira; regata s.paio; 2014)

os moliceiros têm vela (96)


retrato de uma primavera

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contam com a memória
não a lembrança incómoda
mas o esquecimento de

são os senhores da guerra
e os fazedores da paz
depois de a terem deflagrado

facturam sempre e com tudo
vendem o sangue
que fizeram derramar e é negro

foram eles que inventaram
o espectáculo
que hoje denunciam bárbaro

moram sempre longe
estão sempre perto
e acreditam em deus

que não lhes perdoará

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(torreira; regata do s. paio; 2012)

os moliceiros têm vela (95)


gorim

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escrevo gorim
e sou mais do que eu

são pescadores da xávega
e da ria onde companha tiveram
na azambuja um esteiro
houve com o seu nome
murtoseiros sempre
até nas partidas sem regresso

escrevo gorim
com m de murtosa
termino assim

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(torreira; regata do s. paio; 2010)

os moliceiros têm vela (92)


dos espectadores

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o poeta sentou-se
não era ainda o tempo das palavras
mas o de olhar e sentir

o tempo passou
e o poeta sentado mudo e quedo
espreitando o mundo

passaram as palavras
passou o poeta
ficou apenas o tempo

condenação de espectador
é ser nada
quando pensou ser tudo
até poeta

ahcravo_DSC_4213torreira; regata do s. paio; 2012)