fui de novo


de novo

escrevo o tempo
onde me inscrevo
gravadas na pedra dos dias
as palavras

inscrevo-me
em lado nenhum
não sigo qualquer escola
que não a do coração
a saltar-me para as palavras

estou
definitivamente estou
por mais incómodo
estou

não me inscrevam
em movimentos
inscrevam-me, isso sim,
no movimento
pois estou vivo
em todos os sentidos

agora mesmo
escrevi e fui de novo

recuso


  

a minha voz é vento

o meu olhar é luz

semeio sem saber se colho

 

recuso a caverna

onde vivos enterrados

recuso a cama

de cartão com gente dentro

recuso a mão estendida

na sede uma moeda

 

recuso o silêncio

espantado de não haver bocas

para tantas palavras retidas

recuso olhos sôfregos

nas montras onde só pão

 

recuso a desilusão amarga

consentida do ter de ser

recuso os sorrisos bolorentos

da caridadezinha

a distribuir o que a mais

 

recuso

porque quero diverso

este estar aqui

tão efémero e tão sofrido

para tantos

murmúrios


sobre a areia tábuas, nada mais que

de onde me vêm

estas vozes?

estes murmúrios?

 

trazidos pelo vento

caem sobre mim

como folhas de outono

também nós caímos

 

cairemos um dia

desfeitos em pó

palavras noutros

que o tempo levará também

 

o inverno

aproxima-se

sorrateiro abraça-me

 

deixa-me pendurado

de um beijo que não vem

é tarde para


ainda

 

vivo assim

sentado a andar

à deriva neste tempo

a que pertenço e não me é

 

estranho-me de estar

mas estou sem me mudar

sou ainda a continuação

de uma juventude longe e perto

de um sonho por acabar

de um ser erecto

 

vivo assim

entre mim e eu próprio

num diálogo de passados e futuros

que se encontram no ser hoje

a raiva, a desilusão, a amargura

 

vivo assim

assim me queiram

ou não

é tarde para

o meu poema


esplanada onda do mar_buarcos

um dia
o meu poema vai levantar voo
das folhas brancas

um dia
o meu poema ave vai encontrar-te
na planície da ausência presente
e pousar suavemente
nos teus olhos sequiosos de luz

um dia
o meu poema barco
partirá para os mares de bocas
lábios gretados em busca de palavras

um dia
o meu poema
deixará de ser
meu