JAIME ROCHA | Nazaré 1949


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Créditos: https://artistasunidos.pt

No livro do poeta Jaime Rocha, Necrophilia, Porto, Relógio d’Água Editores, 2010, que faz parte de uma tetralogia a que o autor chamou de Tetralogia da assombração, a aceitação da morte é indissociável do amor e da luta dos sexos, corresponde ao papel decisivo que nela tem a mulher. A eterna tensão entre Eros e Tanatos, o destino ultimo do amor entre morte e existência, insere-se na tradição cultural ocidental, em que a morte transfigura-se na forma mais pura do amor. A poesia de Rocha percorre o caminho da imagem poética na sua transfiguração arquetípica entre aparência e sombra feita corpo para atingir à própria origem da imagem enquanto morte da coisa.

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2.


Rodeado de vespas, sozinho como
um comboio que passa entre as árvores.
Enquanto os bichos lhe percorrem as
pernas, descobrindo todas as feridas e as
imprecisões delineadas pelos músculos.
Quando…

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BERNARDO PINTO DE ALMEIDA | Paso da Régua 1954


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Neste último volume de poemas de Bernardo Pinto de Almeida, intitulado Sicília, a ambiguidade temporal da existência e as convulsões sociais e culturais que têm submetido os indivíduos ao longo dos séculos, constituem um traço de união que chega até ao nosso século.

Embora o autor nem sempre esteja confiante sobre o significado da experiência histórica, muitas das palavras de alguns poemas dizem respeito a atos concretos – a existência agora, a necessidade de conhecimento do existente – que por sua vez aludem a uma possibilidade de intervenção no mundo, não sem experimentar a decepção e o colapso de toda a esperança em direção a ela. A vulnerabilidade dos acontecimentos ou das pessoas, evocada assim como a dos objectos, é a fonte de uma maravilha que acaba por transcendê-los e transcender o próprio sujeito. Através da recuperação do mito, Almeida é acompanhado…

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José Craveirinha | Moçambique 1922 – Johanesburgo 2003


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A Marx se deve a observação pertinente de que os povos que escravizam outros se tornam escravos dos escravos. No caso de José Craveirinha, essa condição viveu-a em primeira mão. Filho de um modesto policial, que nunca obteve uma patente e morreu em um leito hospitalar, pobre como quando desembarcou na África, foi considerado um ‘assimilado’, pois mestiço. Para se ‘assimilar’ é preciso mostrar integridade moral e viver de acordo com o estilo de vida ocidental. A avaliação desses modos e comportamentos decidi-a a PIDE e a governadoria. E porque não havia escolas para o povo indígena, era muito difícil para ele ganhar os benefícios da cultura portuguesa. José Craveirinha pôde frequentar escolas regularmente e obter uma licença de ensino médio.

A linguagem utilizada por o poeta apresenta uma constante tensão polêmica, uma vez que se baseia na busca por estruturas e termos que respondam à realidade moçambicana…

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JORGE DE SOUSA BRAGA | Braga


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Um certo gosto pela profanação de ascendência surrealista que confia à palavra poética a desconstrução do mito salazarista como arquivo cultural de todos os fantasmas que arriscaram falhar sua suposta incorruptibilidade moral, bem como a dos círculos viciosos do ensino católico, envolto nas suas contradições. A poesia de Sousa Braga foi uma forma de exorcismo contra um século XX que nunca parecia passar.

do livro: Jorge Sousa Braga, O poeta nu [poesia reunida], Assírio & Alvim, Porto, 2014.

EPÍSTOLA SOBRE A MERDA


1.

As retretes transformadas em santuários
eis a minha obsessão


2.

A merda é uma boa causa
Demasiado boa
para que alguém lute por ela


3.


Só é poeta aquele que
é capaz de comer as próprias fezes

4.

A merda é a única coisa
que não se pode conspurcar

… Compreendi então que nunca mais a poderia deixar
quando me beijou pela primeira vez…

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JOÃO LUIS BARRETO GUIMARÃES [ Porto 1967 ]


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Foto de Nelson Garrido

A amarga ironia das coisas perdidas, pode ser vista na leitura do livro de João Luís Barreto Guimarães «Movimento», Quetzal Editores, 2020. Observamos que a vida cotidiana se desfaz, mas não a levamos a sério. À medida que perdemos cada vez mais nossa capacidade de nos reconhecer nos outros, reduzimos a realidade a uma série de memes com os quais brincamos, mimando uns aos outros a ponto de nem nos reconhecermos em nós mesmos.

O ralo Retiro a tampa de prata do ralo do lavatório e por instantes parece que o ralo aspira tudo (a barba na loiça branca uma semana feita em espuma) logo seguida do ar que me rodeia e enlaça (a expiração exausta de dias irreversíveis) cedo seguida dos sons que trabalham em redor (o eco das vozes de ontem o próprio silêncio cúmplice) tudo isso pelo ralo num torvelinho espiral que suga…

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LUÍS QUINTAIS [ Angola 1968 ]


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Créditos: http://www.radionova.fm

No livro Ângulo morto, Porto editora, 2021, Luís Quintais fala da experiência da existência que se destaca no vazio resultante. Para os poetas, isso significa aceitar plenamente a vida como ela é apresentada, sem renunciar passivamente às críticas ou à responsabilização perante situações que o exijam. Aceitar que a vida é luz e sombra; estar atento a cada momento como ser humano e estar pronto para ir além da segurança prescrita; chegar a um acordo sobre deixar de lado o fardo do ego e aceitar que a morte faz parte da vida. É a partir daí que as pessoas anseiam despertar para compreender a luz que nunca encontraram lá fora. Na realidade o Ser é quem nos dá a luz ao modo como a matriz nos dá a luz, mas retirando-se a seu próprio espectro e deixando-nos ser no mundo.

Nietzsche sabia que não há saída para…

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Vergílio Ferreira [ Melo 1916 — Lisboa 1996 ]


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Créditos: https://www.jpn.up.pt Foto: D. R.

Contemplar os fragmentos de pensamentos do nosso tempo de rupturas é uma escolha livre, e não há melhor expressão de liberdade do que sermos nós mesmos. Sujeito a um determinado espaço e tempo, o homem pensa e age inconscientemente, incapaz de se conhecer, incapaz de aceitar que está com os outros, e morre. Para Vergílio Ferreira é preciso viver com consciência e verdade para que o mal não sejam os outros e para que a introspecção não impeça a pessoa de traçar o seu próprio destino. Ideologia e religião não podem levar uma pessoa ao caminho da autodescoberta. Presa em um tempo e espaço repletos de culturas mortas, palavras incompletas e símbolos sem sentido, a condição humana parece limitada e frágil, entregue inteiramente a si mesma. Pode-se dizer que a contribuição de Vergílio Ferreira é condenar tudo o que limita e escraviza as pessoas à…

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RUI PIRES CABRAL [ Chacim, 1967 ]


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Créditos: https://ionline.sapo.pt

No livro de Rui Pires Cabral, Manual do Condutor de Máquinas Sombrias, Averno, Lisboa, 2018, a poesia torna-se imagem e vice-versa, devendo ser lida como foco de uma ordem discursiva (não apenas uma fotografia) que se torna imprecisa. A construção da situação que Pires Cabral oferece aos seus leitores é uma lógica sem vencedores nem vencidos. As imagens e as palavras fluem obliquamente ao mundano, experimentadas como entidades da subjetividade e, ao final do jogo, oferecem uma aniquilação massiva a toda estranheza e timidez vacilante no mundo dos simulacros.

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ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO [ Porto 1968 ]


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Sabemos que o sofrimento social rompe os laços coletivos e intersubjetivos da experiência e debilita gravemente a subjetividade. Assim o diz António Pedro Ribeiro em seu poemario Dez Pés abaixo do mundo, Editora Exclamação, 2017. Os tipos de experiência social que ocorrem no contexto de espaços feridos não podem ser reduzidos a explicações médicas, previsões burocráticas ou padrões estatísticos de objetividade. É uma forma de estar num mundo traumático, difícil de comunicar, raramente verbalizado, com um enorme potencial para desestabilizar o universo simbólico, e cujo alcance epistemológico não é particularmente compatível com conceitos tão absolutistas como verdade ou mentira. Pedro Ribeiro dá voz a esta esfera em que vive. A sua è uma experiência implícita em detalhes fragmentários e descontínuos, sutis expressões verbais associadas à intensidade emocional, estados alterados de consciência com alguns incertos traços da memória que caracterizam a sociedade portuguesa. O processo de Pedro Ribeiro…

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Ângelo de Lima [ Porto 1872 – Lisboa 1921 ]


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A confusão da matéria e do espírito em que Ângelo de Lima se afundou, é mais do que uma confusão de palavras. No sentido de que a palavra, como legítima e lógica, não admite interferências no livre desenvolvimento do delírio de que o poder gostaria ver aprisionado. Na medida em que se podem apreciar os versos deste poeta, valida-se a legitimidade de uma concepção da realidade (alternada por luzes e trevas) e de todas as ações que derivam dela, como caminhos que se perdem na floresta da dor da qual o escritor nunca saiu e nunca sequer entrou.

Os poemas apresentados procedem de Orpheu, Revistra Trimestral de Literatura, directores Fernando Pessoa, Mario de Sá-Carneiro, n°2, 1915. O poema Pára-me de repente o Pensamento… foi publicado em várias revistas literárias, com ligeiras alteraões, de 1900 (O Portugal) a 1935 (Sudeste). Na transcrição dos textos…

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