(o beijo através do Atlântico, alegoria publicada na Revista da Semana do Brasil e na Ilustração Portuguesa celebrando a travessia Lisboa-Rio in Portugal século XX, Joaquim Vieira, Círculo de Leitores)
não haverá muito tempo um migrante indiano mostrava na televisão a sua filha a falar correctamente português, enquanto ele falava fundamentalmente inglês, fazia-o com o orgulho do pai que em portugal tinha encontrado uma nova vida e cuja filha estava perfeitamente integrada na escola, na língua, nesta terra que tinha escolhido.
a maior comunidade migrante em portugal é a brasileira, que tem sobre todas as outras a vantagem de falar português, embora seja o português do brasil, e por isso maior facilidade de integração. numa reunião literária a que assisti há pouco tempo, a palestrante, jornalista/escritora manifestou a sua preocupação com o facto de os filhos de migrantes brasileiros ao frequentarem a escola portuguesa, chegarem a casa e confrontarem os pais com esta “nova” forma falar português (sem gerúndios), o que poderia chocá-los.
ora bem, quer gostemos quer não, quer seja actualmente correcto ou incorrecto, é um facto, sempre, mesmo antes do regime de salazar, se falou das descobertas feitas pelos navegadores portugueses. agora considera-se que o termo correcto será “achamento”, porque não foram descobertas novas terras, porque já existiam. quem defende esta nova designação não são as populações indígenas – caso do brasil – mas os descendentes daqueles que foram “descobrir” novas oportunidades de vida nas terras “achadas”, ou seja, descendentes de descobridores reivindicam que em vez de “descoberta” se diga “achamento”. interessante não é?
mais, tendo escolhido portugal para fazer uma nova vida acham-se, alguns, no direito de exigir que nas nossas escolas/universidades aos seus filhos e aos que tendo vindo para cá concluir os seus estudos, seja ensinado o português do brasil. e assim de filhos de descobridores de terras por portugueses, segundo eles, achadas, querem-se conquistadores da terra dos achadores.
e nós, herdeiros da mentalidade salazarenta, subservientes e adoradores do que não é nosso mas do que de fora vem, preocupados estamos com tal situação.
eu que à minha maneira lutei contra o regime de salazar, que defendo as conquistas de abril, a liberdade, a igualdade, a fraternidade, e que defendo os migrantes e a sua integração na sociedade portuguesa, com direitos e deveres, em respeito mútuo; eu que me defino como homem de esquerda penso, às vezes por distracção, que este tema tem de ser clarificado pela esquerda portuguesa e não deixado em aberto, o que implica entregá-lo aos populismos de extrema direita.
politicamente incorrecto, do ponto de vista da esquerda, é “deixar andar” esta forma coxa de viver.
