que sou eu aqui?
espantam-me os dias
por onde o corpo
sou o meu tempo
e dói-me que o seja
como deixo que o façam
que sou eu aqui?
espantam-me os dias
por serem de luz
para tão poucos
(ria de aveiro; torreira)
provocar é preciso
não procures no que lês
o eu que o escreveu
procura-te
aceitares ou recusares
as palavras lidas
é seres tu
será sempre morta a escrita
que não provoque no leitor
repulsa aceitação ou
no limite da comunhão o
“porque não fui eu?”
se te sentas nas minhas palavras
e adormeces
de nada serviu tê-las escrito
não me procures no que leste
procura-te porque o fizeste
(ria de aveiro; torreira)
eis a questão
ser ou não ser
não é a questão
ambos são
fazer ou não fazer
essa sim
a grande questão
faz-se o homem como caminho
fazendo-se
fazendo
o silêncio que a ria respira
é uma forma de ser
o silêncio que do homem transpira
é o seu não ser
eis a questão
(ria de aveiro; torreira)
conhecem os caminhos
por entre as pedras
que levam ao sol
rastejam
para
não têm destino próprio
serpenteiam ao sabor de
gosto deles quando se mostram
minúsculos esverdeados
espreitando se já
ou ainda não
esperam
esperam sempre
andam por aí
(torreira; marina dos pescadores)
mais que eu
sou todos os que antes de mim
acrescentaram páginas ao livro da memória
deixaram-me o recebido
distribuo-o
o que resta do ter sido
o ser eu aqui inquieto
enquanto
quebro o vidro atravesso-o
firo-me sangro toco tudo
até onde
estou vivo
(torreira; marina dos pescadores)