memória_19022010


coimbra, memória do 40

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nos anos 80, acabada a agitação política foi a vez de a militância se virar para o campo da cultura.
tudo começou por acaso, em 81, numa residência de estudantes, o 40 da ruas das matemáticas, tinham sido feitas obras e, na garagem, um dos moradores expunha pintura. pediram-me, porque era amigo de muitos, que animasse as noite lendo poesia.
sentava-me no chão, levava os livros dos meus poetas – quanto sofreste álvaro de campos? – e lia até …
daí nasceu a ideia: porque não fazer algo diferente, uma mostra de novos criadores nas mais diversa vertentes, expondo os seus originais. a poesia era dita pelo próprio ou, se o não quisesse, por mim e uma estudante que fazia teatro no citac.
às quintas-feiras de 15 em 15 dias, havia festa no 40. a rua estreita enchia-se, já não cabia na garagem e os cafés ao lado faziam negócio. numa noite em que dizia poesia bebia em média uma caneca de aguardente, virado para um canto da sala. estranhamente estava sempre sóbrio.
das sessões à publicação do que ali se fazia foi um passo. em breve nasceria o o nº1 dos “cadernos do 40”. nele participaram com poesia inédita: cravo, freire, pedro conchilha, divulgou-se a poesia do brasileiro, sidney moreno; uma colagem de josé luís e uma pauta de henrique canelhas, interpretada ao piano pelo mesmo e à flauta por mota.
na ficha técnica, lia-se : publicação não periódica, composta pelos artesãos. tiragem: 600 exemplares.
os autores eram também responsáveis pela composição e distribuição dos cadernos. o nº1 esgotou-se em pouco tempo, o nº2 foi o último.
não me lembro quantas semanas, ou meses, a festa durou, mas certamente quase 6. foi, à época, uma marca de cultura marginal, não havia conselho redactorial, para publicar, para estar presente bastava ter a consciência do valor do que se tinha feito.
aventura empolgante e irrepetível aqui lembrada com excertos do editorial do nº1:
“… o 40 é a festa por dentro da palavra, do som, do barro, do óleo, da aguarela, do carvão. O 40 é a festa por dentro de mim, a festa por dentro de ti, a festa por dentro de nós.
O 40 será uma forma de estar no mundo, uma forma de não estar no mundo, mas é fundamentalmente uma forma de estarmos juntos: a mais linda.
SOMOS ARTESÃOS
ODIAMOS CORDIALMENTE OS ESPECIALISTAS E A GATARIA
O que fazemos, fazêmo-lo pelo prazer de o fazer, o sacrifício chegou ao 40 e ficou à porta…..
Somos, e seremos sempre, aliás como tu “os da mansarda”. E é tão bom ser da mansarda. É lá que o sol bate primeiro quando nasce e é de quem em último se despede.
Sejamos pois do sol e da mansarda …..
“os artesãos”
A arte estava na rua e eu parei para ouvir a música.
(coimbra; r. visconde da luz; 2010)