crónicas da xávega (616)


a criança amputada
irmã da que mataram
é minha neta

a mulher que chora
a família perdida
é minha irmã

o homem que grita
o nome do filho soterrado
é meu irmão

o sangue que escorre
daquele corpo desfeito
é o meu sangue

como podem querer
que me cale

(xávega; pancada de mar ; torreira; 2013)

crónicas da xávega (589) – bota! 2025


mais um ou menos um

esquece o tempo dividido
nada é novo
tudo é continuação

sim é fácil desejar
difícil é fazer acontecer
por isso desejas

a guerra a fome a miséria
o sangue o terror
que ensopam a terra

são há muito desejo
de que acabem
e continuam continuam

faz da palavra acto
o pouco que vales
valerá mais

por isso não desejes
sê sujeito activo
nos dias a vir

não esqueças
a desumanidade não pára

(xávega; pancada de mar; torreira; 2016)

crónicas da xávega (588)


recuso o silêncio cúmplice
os acomodados dias
sofá lareira
livro música

recuso não ser aqui
no meu
tempo o grito a revolta
o nojo

recuso o jardim o quintal
mesmo se num qualquer andar
a cadeira de braços a sombra
o perfume das flores

recuso a clandestinidade
do que penso
sou e digo-me
não vou a chás das cinco

(xávega; ir ao mar; torreira; 2013)