crónicas da xávega (31)


aguenta delmar, não largues o calão

aguenta delmar, não largues o calão

o abraço

desenhar as palavras
à altura da vaga vencida
será tarefa árdua

chegar onde estes homens
dizer deles o que
sem saber coo chegar até

escaldante como a areia
o pensar ser

morrer na praia é desejo
viver no mar é urgente

o abraço

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(torreira; companha do marco; 2014)

crónicas da xávega (28) – e tu?


estendido o saco, abri-lo-ão e o sol virá depois secá-lo

estendido o saco, abri-lo-ão e o sol virá depois secá-lo

escorregar pelos dias
deitado no chão herdado
imóvel
quase não vivo
quase

tão fácil não ser
tão fácil o sim a todos
tão cómodo

sentado na soleira da porta
qual gato à espera da festa
que festa poderá haver
nunca se sabe

os mortos agradam a todos
porque estão

e tu?

virá o sol

virá o sol

(torreira; companha do marco; 2012)

crónicas da xávega (23) – dos homens do mar


agostinho trabalhito e massa

agostinho trabalhito e massa

fizeram a escola sentados
nos bancos de areia rente ao mar
aprenderam cedo a força das ondas
o gume afiado do norte pela madrugada
o salgado sabor dos dias amargos de pouco pão

a escrita que conhecem é sobre água
nem por isso efémera
que de geração em geração
de homem para homem
como se ontem fosse hoje e sempre
o mar é pauta onde ritmos e pausas
são marcados pelas notas das ondas
onde o maestro é o arrais

falo do mar
da música fora dos búzios
dos artistas
das companhas da xávega

bota que chega de palavras

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(torreira; companha do marco; 2011)

crónicas da xávega (22)


no bordão, o peso da manga o ombro sustém

no bordão, o peso da manga o ombro sustém

traz no nome o início
a força de tudo poder ser
onde o mar e a areia
se encontram sem medos
numa fronteira breve
de espuma agonizante

em dias de haver mar
é ainda noite quando o arrais
e todos na praia à espera
ela mais um mais um mais
braços pernas corpo

conheço-lhe o riso
a linguagem franca das mulheres
que fazem vida do mar
a ternura com que fala dos filhos
a força com que compete com os homens
e vence o mais das vezes

cuida do dia
aurora
(torreira; companha do marco, 2014)

ah mar


braço aberto ao mar, o maria de fátima espera

braço aberto ao mar, o maria de fátima espera

sem porto nem cais
areal onde varar
procurar na memória
nas imagens retidas
um poiso um lugar

barco sem terra
condenado ao mar

resta
esperar a onda
o instante exacto
largar

ganhar o longe
ser poiso de gaivotas cansadas
sorrir à espuma

o que há para além de mar?

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(torreira; companha do marco; 2011)