quem morreu sem ver
o mar
nunca chegou a nascer
(torreira; companha do marco; 2015)
escorro água e sal
desfaz-se a pedra em água
corre por entre os dedos areia
as paredes tremem e é de vento
o telhado onde antes casa
digo-te que não mereço
como não merecem aqueles
a quem nada resta senão
o serem como são por não
poderem ser de outro modo
voltaremos um dia e será manhã
até lá esperamos que o sol
se ponha devagar
e seja noite quando for
escrevo-te do exílio de mim
da memória de um tempo outro
que já não existe nem voltará
ao passado o que dele é
o futuro dir-se-á no tempo certo
o vento é de sul
o mar entrou no barco
escorro água e sal
(torreira; companha do marco; 2015)
o meu amigo alfredo amaral
o tempo vai-se escrevendo
o nome dos amigos
os que partiram
os que ainda resistem
os que já não podem
escrevi o teu nome
alfredo quando menino ainda
vinhas para o mar
com a tua mãe e foi na areia
onde brincavas
que aprendeste a conhecer a arte
durante anos
mestre do reçoeiro
camarada de muitos
amigo de todos
mais um na companha
indo sempre para além
do que pensávamos
poderes dar
o ti américo que o diga
o marco que o negue
companheiro
ficas agora em terra
a olhar o mar
sei como te deve doer
mas doía-te mais o fazer
espero-te sempre a sorrir
a inventar um homem dentro
da criança grande
o mar ao pé de ti alfredo
é tão pequenino
(torreira; companha do marco; 2013)
mulher do mar
estendo os olhos até onde
uma linha divide mar e céu
ou os une e confunde
nela escrevo o meu nome
eu inteira sem erros
mulher mãe companheira
o meu tempo é este
em que haver na mesa pão
amassado com sal
é segredo de mar
arte de arrais
suor da companha
(torreira; companha do marco; 2013)
de nós
houve os que partiram
e a quem chamaram heróis
nem todos regressaram
outros houve que ficaram
não por não serem heróis
mas por amor à terra
de uns e de outros vimos
que dois povos diferentes são
diversos no estar e no ser
uns serão do aceitar
outros do questionar
(torreira; companha do marco; 2013)