recuso-me


caminho pelas dunas

recuso-me a cantar
o outono
celebrarei sempre
o verão
mesmo se já não

o outono dos poetas
é o pó em cima do piano
onde já não há pautas
para músicas de dança

recuso-me
a dizer que quando os dias
diminuem e a noite cresce
me invade a serenidade
outonal pintada de oiro

pudesse eu sentar-me
ao piano que não tenho
e martelaria nas teclas
o meu grito de raiva
por o verão me ter
mais uma vez abandonado

quero sol e mar
o mais é insosso

sou


descanso

 

lembro
que me lembro
esquecendo
que me esqueci

a memória
é o esquecimento
do que não nos lembramos

falo deste estar aqui
ainda
sem saber porquê
aceitando o como
fazendo por ser

abraço
os dias e dentro deles
todos os que não esqueci
e nos que esqueci
a memória de o saber

deito-me
medito
e sou

longe de mim


trago no corpo
o sal do verão
bailes de mar
nos olhos

estou vivo
outono dentro de outono
continuo ainda
a ser corpo

virá a chuva
os dias mais curtos
o céu mais carregado
a angústia serena
agora

virá também o oiro
semeado nas vinhas
que não verei
porque longe do mar

tudo
o que é longe do mar
é longe de mim

até estas palavras
o são cada vez mais

(torreira; sol outonal)

como o calão não passa pelo alador


alar
durante a alagem, quando o calão chega a terra, não se pode deixar que ele passe pelo alador, sob pena de que este encrave, ao mesmo tempo que se pode destruir o calão, que é de madeira, e interromper a alagem no momento mais importante e crucial do processo.
 
por isso, é atada uma corda à manga, logo a seguir ao calão que vai, ela sim , passar pelas engrenagens do alador.
 
é como se se fizesse um “bypass” ao calão durante alguns momentos muito precisos. o ritmo da alagem não pode ser perturbado por manobras mal coordenadas.
 
depois de passada a corda a alagem continua agora com as mangas a passarem directamente nas engrenagens.
 
neste registo é o falecido arrais zé murta quem se prepara para atar a corda à manga.