os moliceiros têm vela (127)


vou dormir

como se num sonho

como se num sonho

deixem-me dormir
seja qual for o motivo não
me acordem

estou cansado de viver
olhos abertos dia e noite
cansado de ser só olhos

quero sonhar
sonhar o que podia ter sido
recordar apenas o que mereceu
ser sonhado
e nunca passou do sonho

deixem-me dormir
quero as janelas abertas
muita luz pelo quarto
senti-la dentro de mim
ser eu por momentos

deixem-me sonhar de olhos fechados
ter de novo a ingenuidade da criança
para quem o mundo é um brinquedo
e todos são companheiros de brincadeira

deixem-me dormir
não ser por alguns momentos
esta coisa ambulante
um corpo agoniado de tantos dias

deixem-me sonhar
nem que seja só hoje
o sonho desconhece o tempo
porque é todo o tempo

vou dormir

tempo de moliceiros

tempo de moliceiros

(murtosa; regata do bico; 2009)

os moliceiros têm vela (126)


não escrevo mais

costuma ser no primeiro domingo de agosto......

costuma ser no primeiro domingo de agosto……

quando tempo havia
onde quer que estivesse
escrevia

quando morresse na lápide
palavras poucas
queria

não escrevo mais

desejo expresso e dado a saber
continuou a escrever
até ao dia

começam a ser memória

começam a ser memória

(murtosa; regata do bico; 2009)

crónicas da xávega (75)


continuo a caminhar

a grandiosidades do pescadores, mesmo se nas mais humildes tarefas

a grandiosidades do pescadores, mesmo se nas mais humildes tarefas

admiro os que a palavra vestem
como se coisa de usar fosse
consoante o momento o local
a audiência

admitem a inexistência da memória
julgando-se senhores do saber
do dizer e fazer constar

curvam-se perante eles os que
pretendendo vir a ser
mais não serão
que o terem sido úteis  quando

vivem todos de ilusões
sorrio e continuo a caminhar

o meu amigo horácio, de poucas palavras, mas todas acertadas

o meu amigo horácio, de poucas palavras, mas todas acertadas ( a porfiar o saco )

(torreira; companha do marco; 2012)