os moliceiros têm vela (566)


os moliceiros têm vela (566)

a minha língua é filha e mãe
pare e acolhe é colo e berço
a minha língua é viva

a minha língua tem as portas
abertas às palavras
às gentes às geografias

a minha língua é antiga e jovem
é muitas linguas é rio
rico de afluentes desagua em delta

a minha língua é livre
se acordos quiseram acorrentá-la
oiçam-na migrante na sua terra

a minha língua é pacífica
mais que isso humilde
resigna-se a que dela mal digam
e o façam usando-a

a minha língua já foi e há-de ser
mais que os que a usam
permanecerá no tempo
sorrindo ao mundo portuguêsmente

a minha língua não tem dono
e só é minha porque a uso
não porque me pertença
e tua será se a usares

não mordas a tua língua
o sangue pode sufocar-te

(moliceiro; regata da ria; torreira; 2014)

“o assassínio telecomandado …” de ahcravo gorim


(guache de ana feijão; 45x29cm; março de 2025)

o asssassínio telecomandado
a destruição minuciosa precisa

num novo deserto tendas
erguidas sobre escombros
deixados pelos bárbaros
modernos sofisticados

as crianças o futuro os velhos
o passado restos de corpos
inidentificáveis ensacados
chorados roubado tempo

a voz mais forte que os gritos dá
ordens comanda exércitos cegos
raiva e ódio não é gente o outro

ardem-me os olhos por gaza
ardem corpos em gaza
a humanidade arde em gaza