antologia “poemas da saúde e da doença”


abertura poemas sd

no dia 21 de fevereiro foi lançada a antologia “poemas da saúde e da doença” da autoria de josé fanha e pedro quintas, editada pela “lápis de memórias”, no auditório da editora sita no atrium sólum em coimbra.

a apresentação da obra, feita por laborinho lúcio, foi ela própria antológica, sendo de ouvir e reouvir atentamente.

para aguçar o apetite reproduzo o prefácio da autoria de um amigo da lisboa de há quase 45 anos, luís gamito:

“No dia em que escrevo este texto chegou a notícia do falecimento do neurologista Oliver Sacks por alguns descrito como “o poeta da medicina moderna”. Poesia, doença e a inevitável morte são as palavras-chave desta antologia habilmente organizada, no sentido artístico, de tal forma que o resultado obtido é em si mesmo poético.

Sendo a poesia uma vivência do ser livre ela é, em si mesma, algo saudável ainda que tenha como temática a doença. A poesia é sinal de vida sobretudo quando nos fala da morte ou da doença. Para quem a escreve e também para quem a lê ou escuta.

A descrição literal e conceptual do fenómeno poético é difícil, até mesmo impossível. Mas sentimos que é uma coisa que nos faz bem: o desfile de múltiplas e novas associações de ideias, de memórias que inevitavelmente habitam emoções e são habitadas por sentimentos.

Há expressões de vida que são poéticas e, como tal, construtivistas na incessante luta contra a morte. E, ipso facto, contra a doença. E o ser doente ou dolente? Existe na medicina atual uma definição caricatural: saudável é toda a pessoa que ainda não foi bem avaliada por um médico.

Então, se todos somos doentes, é natural que a universalidade do fenómeno suscite a atenção da poesia e dos poetas. A música magnifica o tom sentimental na sua linguagem poética mas a palavra escrita objetiva os conceitos, sugere, induz, deduz, magnifica a personalização.

Todas estas funções superiores do cérebro, quando dedicadas à elaboração intelectual àcerca da doença, perfilam-se em dois territórios não distintos entre si. Por um lado, a poesia escrita trabalha no âmbito inter-pessoal e social. Por outro, é um trabalho de gratificação pessoal do próprio autor podendo ser psicoterapêutica em si mesma nesse plano individual.

Assim, a poesia extrovertida quando lida ou ouvida pode fazer bem às pessoas quer trate o tema da doença ou o da saúde que afinal é sempre o mesmo: o de uma moral anti-ansiedade.

A ansiedade é própria do ser humano porque este é livre de poder ser autor do seu próprio sofrimento. Ou porque este sabe da existência da própria morte. A consciência da doença fá-lo aproximar-se dessa finitude que apenas algum tipo de religiosidade contraria.

A teoria do “poeta fingidor” que nos remete para a existência de “dor” na pessoa do poeta tem sido acompanhada pelos raciocínios de que para “criar” é necessário que o autor seja portador de uma qualquer perturbação psicológica. Ora, isto não está demonstrado.

Contudo, por uma razão de luta contra o estigma, é comum na Psiquiatria serem apontados sujeitos que são afetados por perturbação bipolar e que se destacaram como criadores geniais. Um exemplo citado é o de Tolstoi que só escrevia quando em fases depressivas na sua quinta de Yasnaia Polyanna. Na fase maníaca esbanjava dinheiro em Moscovo.

A elaboração cuidada de psicografias dos autores constantes desta antologia provavelmente encontraria, em alguns, sinais ou sintomas de alguma psicopatologia, mas o que interessa sobremaneira é a obra poética produzida, aquilo que encanta o leitor e o ajuda na saúde ou na doença. E é disso que todos necessitamos: fruirmos o prazer da novidade que a vida expressa, a surpresa que o insólito nos proporciona.

Há muitos anos já, o José Fanha contou-me que uns alunos seus foram em visita de estudo a uma fábrica. A camioneta na qual se deslocavam, por alguma razão, parou a meio do caminho e enquanto isso as crianças brincaram com uns caracóis que, lentos, permaneciam na berma da estrada. No dia seguinte, a professora de Português pediu aos alunos que fizessem uma redação sobre a visita à tal fábrica. Não esperava que a maioria deles olvidasse a usina e escrevesse apenas sobre os caracóis. Mas para as crianças a poesia não esteve na fábrica.

E por isso é isto o valor dos caracóis no qual Sacks também acreditou.

Luiz Gamito

Presidente do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos”

e o vídeo, possível, da sessão de lançamento