teresa trabalhito


 

teresa trabalhito

nada tenho

e tudo possuo

é esta a minha riqueza

sou feliz aqui

onde mar me faz sentir

gente

me chama pelo nome

enche de sal e areia

cobre de escamas oiro prata

atiro-me à água

vestida se preciso for

se a rede o pedir

se o barco quiser

se me apetecer

sou feliz aqui

à beira mar nada

e criada

mulher feita de sal e mar

é este o sorriso

que tenho para vos ofertar

 

joão da calada


joão da calada

nunca lhe soube o apelido, só a alcunha.

muito do que sei, devo-o a ele. técnicas de pesca de xávega, identificação de pescadores …. sei lá.

dono e arrais do barco que foi o primeiro amor, o “óscar miguel”, que infelizmente veio a ser queimado. era um belíssimo barco, feito pelo mestre gadelhas de mira.

antes disso tinha trabalhado com a robaleira “srª da conceição”.

arrais de velha cepa, mantinha a tradição antiga de cada dono de barco ter uma “tasca” onde os pescadores se aviavam, ainda hoje a tasca existe, na rua mais ao sul da torreira e é ponto de encontro de antigos pescadores. ir à torreira e não visitar o joão da calada é perder o que de mais tradicional ainda existe no ramo.

hoje o joão divide-se entre a tasca e o reparar das redes da companha do pepolim, que trabalha ao sul do molhe sul da torreira e de que é arrais o chico “de ovar” como é conhecido na torreira.

um abraço joão

(torreira_anos 90)

as palavras estão vivas


 

o mar sempre

as palavras estão vivas

 

partirei com o sol e a minha loucura

para quê dizer adeus?

o regresso

o eterno regresso

é aquilo que resta

sempre que partimos

e eu não volto

 

partirei com o mar

clandestino

embarcarei em todos os navios

que cedo ou tarde se afundam

em praias longínquas

deixando os destroços

 

encontrarás então nas areias brancas

brancos os meus ossos

e lembrar-te-ás de mim

e do regresso

e da loucura

 

agora bebo no mar

as forças

para a grande viagem

 

memórias do além tejo (do baú)


                                                        parede de portalegre, 2007

 

não vos dou palavras

dou-vos pernas, braços e um coração naufragado

 

não vos dou palavras

dou-me a mim todo transubstanciado em poema

aceitem, se quiserem, as palavras que não vos dou

mas não aplaudam

o vosso espectáculo

são as minhas lágrimas, angústias e desesperos

 

não vos dou palavras

dou-vos  bofetadas que, por vezes, aceitais com um sorriso

porque o sorriso é a vossa reacção típica

 

e se eu não escrevesse ?

e se eu não vivesse de olhos abertos sobre cada dia

em cada dia suportando estar vivo

inventando searas e papoilas no deserto dos vossos olhos ?

 

e se eu pudesse dormir como vós descansadamente

com um policial ou um romance à cabeceira

e se eu me sentisse satisfeito com a telenovela

e me bastasse o mau gosto de um jantar num restaurante de três estrelas

“em boa companhia”

para ser feliz ?

 

e se eu fosse como vós

que tudo tendes

e mesmo quando não tendes fechais os olhos e tendes tudo ?

 

e se eu não pensasse ?

se eu fosse como vós

não haveria mais palavras

porque não haveria mais chaparros solitários

as estações estariam sempre certas e eu seria sempre feliz

à vossa maneira, é certo, mas feliz

 

mas não

continuo a dar-vos palavras que não o são

continuo à procura de não sei bem o quê

mas continuo sempre

 

dou-vos este corpo

que escorre sangue, sonho, amor e ódio

a quem por vezes apetece ser como o vosso

só para não ter nada que escrever