o meu amigo ti zé costeira
nos últimos anos
caminhava pesado até à bateira
a cana de pesca bengala
remava atá ao meio da ria
voltava com algum peixe para o almoço
os dias repetiam-se e ele dentro deles
dentro do silêncio dentro da bateira
na ria
primeiro arrumou a bateira
cobriu-a com plástico
depois morreu a mulher
o plástico começou a rasgar-se
e ele
falei-lhe quando já não era
mostrou-me a casa os troféus
contou-se por momentos
viveu
não sei como estará numa casa
entre quatro paredes auxiliares
refeições certas medicação a horas
um sofá a cama o silêncio os outros
onde a ria?
eu vejo-o sempre lá no meio
a dar vida às águas mortas
(torreira; 2015)