a beleza do sal (213)


vêm de longe os amigos
cheguei dizem

trazem o abraço
preso nos dias vagos

falam a linguagem das aves
poisam e partem

é breve o encontro tão breve
quanto intenso

partem os amigos

estendo-me no tempo
aguardo o regresso
antes de ser noite

(carregar sal no dumper; armazéns de lavos; 2019)

a beleza do sal (207)


se pequeno é o país
serem de palavra os homens
era grandeza diversa

conquistámos a liberdade
de ser inteira escrita
dita a palavra assumida

nas brancas paredes
as palavras inscreveram
os dias sem medo

cinquenta anos depois
desbotadas paredes
envergonhada palavra

o pequeno país
de pequenos homens
é um circo falido

(carregar sal no dumper; armazéns de lavos; 2019)

a beleza do sal (202)


não vi o cogumelo
não foi ele que tudo arrasou
que fez das casas ruínas
das avenidas caminhos

a destruição não foi cega
foi precisa minuciosa
calculada e fria
telecomandada

não basta gaza
não basta uma faixa de terra
habitada junto ao mar
não basta

os campos de refugiados
as oliveiras seculares
raízes de um povo
também são alvo

some-se jenin nur shams
mais serão nada basta
limpar é palavra de ordem

subtrai-se humanidade

onde o homem
só vejo a besta

(flor de sal; armazéns de lavos; 2017)

a beleza do sal (201)


tantos anos
tantas vidas
tanto amor

casas ruas
cidades

um povo é uma língua
uma terra
um lugar onde morar

cidades
casas ruas

tanto amor
tantas vidas
tantos anos

mata-se um povo
salga-se a terra
arrasam-se casas
ruas cidades

a apagar a memória
a história
chamam agora limpar

assassínio programado
assistido apoiado
não por nós não por nós

(mexer; armazéns de lavos; 2017)

a beleza do sal (198)


eram três velhos magros

o primeiro trazia uma vela
o segundo uma bola
o terceiro uma guitarra

eram três velhos magros

à sua frente uma criança
fugia e a cada passo mais
se afastava dos três velhos

são três velhos magros

à sua frente um homem
foge ainda foge

(flor de sal; armazéns de lavos; 2017)