ti abílio carteirista


“são todos uns insurrectos, cravo!”

só ele sabia dizer esta frase que passou a ser minha saudação provocatória: “você é um insurrecto, ti abílio!”

se existe a “brejeirice da beira ria” como forma de expressão, era no ti abílio que ela encarnava, na malandrice , no sorriso, na ingenuidade sábia, no ser amigo.

o ano passado falei com ele duas vezes pelo telefone, uma das vezes liguei-lhe eu a dar-lhe os parabéns, como era costume, a outra foi ele que me ligou e me deixou preocupado e triste. o ti abílio tinha vendido o moliceiro “Dos Netos” porque já não se sentia em condições de navegar e ao telefone disse-me mais ou menos isto:

  • que faço eu aqui cravo? vou todos os dias ao bico ver a ria e choro

havia dois moliceiros de velha cepa na murtosa: o ti zé rebeço e o ti abílio carteirista. mas bastava dizer “ti zé” ou “ti abílio” e todos sabíamos, sabemos, quem eram.

ambos morreram

ambos estão vivos, o ti zé e o ti abílio são para sempre

morreu tanta memória com eles, só não pode morrer o dever que temos para com a sua memória: continuar com a tradição dos moliceiros – os verdadeiros, com vela.

o ti abílio morreu ontem dia 10 de janeiro de 2024

(torreira; regata da ria; 2017)

olhar as gentes do mar e da ria – uma parceria transatlântica (1)


da torreira para o mundo

algumas das fotos têm cerca de 50 anos, a escolha foi feita no estados unidos

os amigos da terra, da terra são porque dela gostam e, por vezes, oferecem-nos prendas assim

ficam na sombra porque sempre ficaram,

são amigos muito especiais

olhar as gentes do mar e da ria – uma parceria transatlântica


da torreira para o mundo

algumas das fotos têm cerca de 50 anos, a escolha foi feita no estados unidos

os amigos da terra, da terra são porque dela gostam e, por vezes, oferecem-nos prendas assim

ficam na sombra porque sempre ficaram, são amigos muito especiais

abraço-os

memórias do olhar

ti zé formigo


morreu ontem, 15 de agosto de 2020, o ti zé formigo (67 anos)

era um bom amigo, do que lhe conhecia, admirava a dedicação à esposa – em cadeira de rodas – e a alegria

tinha defeitos? quem não tem… fico triste e penso que a murtosa também

à família, em particular à esposa, o meu silêncio com um sorriso do ti zé dentro – lembrá-lo-ei sempre assim

ao ti zé formigo

não ti zé

não estou na murtosa

nem você agora


era nas regatas de moliceiros

ou bateiras

ou no são paio

que nos encontrávamos

havia sempre um abraço

um sorriso uma salvação


uma salvação ti zé

agora que ninguém o salva

lembro-me do tempo

em que na murtosa

as pessoas se salvavam


vão partindo os amigos

a família desse tempo

e eu vou partindo aos poucos

bocados de mim que se foram

pedaços de outros

que comigo ficam e são raízes


ti zé

você é uma raiz

que fica comigo

abraço do “senhor cravo”

(murtosa; 2019; figueira da foz; 2020)

gente da torreira


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durante muitos anos, e mais alguns espero, fotografei as gentes da torreira: no mar, na ria, nas ruas
 
há um amigo que gosta de das fotos fazer filmes, com as minhas fotos, e de outros também, e … fez mais este.
 
fica mais uma memória, mais uma viagem no tempo, que muitos tempos aqui estão.
 
obrigado a todos os que me deixaram fotografá-los e que sabem que nunca o fiz com outra intenção se não deixar a memória de um tempo e levar até mais longe, aos familiares emigrados, as imagens da terra e da família que tiveram de deixar.
 
um grande abraço do vosso amigo