solheira_o largar (2)


escutar o silêncio

lentamente as redes vão deslizando para o interior da ria, em busca de peixe.

o silêncio pode-se ouvir e, como no meio do mar quando o barco da xávega lança o saco, estamos noutro mundo.

os olhos controlam a direcção do barco que deve seguir uma linha paralela à margem e no sentido norte/sul, ou como dizem os pescadores da ria, baixo/cima.

de tempos a tempos um pequeno toque no motor faz com que a bateira retome a direcção certa e não conflitue com as outras redes. é uma relação de solidariedade efectiva a que se encontra estabelecida entre os pescadores.

durante cerca de meia hora a rede desliza e os olhos lavam-se na limpidez da ria, enquanto o cérebro navega noutras terras.

a sensação de plenitude e liberdade é imensa.

assim a ria e suas artes

(ria de aveiro_torreira)

solheira_o largar (I)


a largar com o joão

se há momentos de rara beleza nas artes de pesca da ria, o largar das redes da solheira é o mais fantástico: pelo silêncio; pelo modo como as bateiras se dispõem paralelamente, marcando posição; pelo momento exacto em que, começando a maré a vazar, todas, mas todas, se põem em movimento.

é um desfile lado a lado a toda a largura da ria, tão extenso que é infotografável. só estando dentro da bateira com o pescador nos apercebemos do quanto é extraordinária essa meia hora onde tudo se joga.
fui largar redes com vários pescadores da torreira, o joão costeira foi um deles.

ao longo de vários registos sucessivos, procurei ir falando do como, mas jamais serei capaz de dizer do quanto.

(torreira_algures no meio da ria)

é carapau


o esventrar do seco

 

lentamente vai-se o saco esventrando.

o adivinhado brilho do peixe salta agora aos olhos ridentes

é carapau, é farto e de bom tamanho

a navalha corta o fio

o peixe estrebucha ainda

o sorriso espalha-se na companha

o peixe se fará pão

e o suor sentar-se-á à mesa

na partilha

( torreira_companha do marco)

as alcunhas e as gaivotas


cuco, turra e bia

na praia de mira, como em todas as praias e portos onde há pescadores, as alcunhas são o verdadeiro nome dos pescadores.
eis aqui 3: o turra, o bia e o cuco
é assim, nasce-se com a alcunha do pai,- da família –  dão-lhes no baptismo um apelido e na vida, frequentemente, conquistam a sua própria alcunha.
e a história repete-se sempre à beira mar.
(praia de mira – companha do zé monteiro)

saco cheio


saco cheio

é uma alegria quando depois de algumas horas o saco chega cheio à praia.

em seguida é preciso, com um estacadão atravessado sob a boca do saco ir empurrando o peixe que aí ficou emalhado para o fundo.

em seguida é cortado o fio que fecha o saco e retirado o peixe.

 

(praia de mira_companha do fatoco)

xávega – “a arte faz-se espectáculo” por francisco oneto nunes


torreira

 

francisco oneto nunes é antropólogo e  professor do iscte, começou a sua actividade de investigador em vieira de leiria, tendo publicado vários artigos e livros sobre a xávega, de que se destaca ” A arte xávega na Praia da Vieira”, com fotografia de Dora Landau. Inicia-se aí a  sua paixão pela xávega, que desaguou na sua tese de doutoramento.

Com a tese de doutoramento a aguardar publicação, coordenou ainda o livro “Culturas marítimas em Portugal”,  editado pela Âncora em 2008.

É da sua autoria o texto que a seguir se publica

 

A arte faz-se espectáculo – francisco oneto

 

safar as redes, safar a vida


 

salvador e esposa

o salvador é dos poucos, senão o único pescador, que safa as redes para a praia quando a maré está vaza.

a mulher é a sua camarada na tarefa.

para que as redes não se encham de areia põe sempre um oleado na areia e é sobre ele que as redes vão caindo.

(torreira; 2010)