a beleza do sal (201)


tantos anos
tantas vidas
tanto amor

casas ruas
cidades

um povo é uma língua
uma terra
um lugar onde morar

cidades
casas ruas

tanto amor
tantas vidas
tantos anos

mata-se um povo
salga-se a terra
arrasam-se casas
ruas cidades

a apagar a memória
a história
chamam agora limpar

assassínio programado
assistido apoiado
não por nós não por nós

(mexer; armazéns de lavos; 2017)

a beleza do sal (200)


espírito criativo
nunca tive
não sei o que é

por isso escrevi os dias
como foram quando foram
de sol mar e vivos corpos

fui tudo o que escrevi
sou tudo o que escrevo

no tempo que me resta
sou espectador atento
deste mundo cada vez
mais merdoso e escrevo

meto as mãos na merda
agito-a mexo-a bem
depois

atiro com ela à cara
de quem posso
e é pouco

(sal do mar; rer; morraceira; 2016)

a beleza do sal (199)


plantei uma flor
no mar

o genocídio continua em gaza
o genocídio continua em gaza

na areia a meu lado
os teus olhos
procuraram a flor
sorriram ao vê-la

a guerra continua na ucrânia
a guerra continua na ucrânia

por entre as ondas
deste-me um beijo

a fome e a guerra em áfrica
a fome e a guerra em áfrica

depois acordei
e só me lembro
deste sonho

mediterrâneo é nome de cemitério
mediterrâneo é nome de cemitério

(sal do mar; rer; morraceira; 2016)

a beleza do sal (198)


eram três velhos magros

o primeiro trazia uma vela
o segundo uma bola
o terceiro uma guitarra

eram três velhos magros

à sua frente uma criança
fugia e a cada passo mais
se afastava dos três velhos

são três velhos magros

à sua frente um homem
foge ainda foge

(flor de sal; armazéns de lavos; 2017)