o poeta
o poeta habitava um bairro suburbano ainda com a traça dos velhos bairros históricos. todas as manhãs, antes de ir para o trabalho, sentava-se no poial da porta e contemplava o filme das gentes e das coisas.
durante o dia, as palavras, os sons, as cores, tudo, lhe repassava pela mente cansada de tanta máquina.
no regresso, o dia terminava como começara, sentado no poial esperava a noite, de novo mergulhado no espectáculo da rua.
sempre com os olhos mais além, era conhecido de todos, pelo quase não estar como estava e pelo modo como se dirigia a todos. havia algo nele que ninguém sabia definir.
dele sabiam apenas que nunca aprendera a ler e a escrever e que em todas as palavras que lhe ouviam havia uma música, também ela indefinível, acompanhada de um sorriso luminoso.
“o poeta” era, não carecia de mais.