crónicas da xávega (608)


este é o meu tempo
o meu mundo é aqui
se quero ser é aqui e agora

recuso-me a ficar sentado
à soleira da porta a falar
com as árvores e as flores
ou contigo amor que invento
costas viradas ao coração da casa
não ouvindo não vendo
a desumanidade dentro dela

é aqui e agora
com as parcas armas que tenho
palavras palavras tão pobres
mas que mordem ferem cortam
denunciam

é aqui e agora
ou amanhã não sei onde
terei vergonha de não ter sido

por isso escrevo
porque a realidade ultrapassa
é o genocídio em gaza

(xávega; dar o porfio; torreira; 2011)

crónicas da xávega (595)


hoje não me apetece escrever 
e há muita força neste não
obrigações não tenho
assunto não falta mas

hoje não me apetece escrever
já me vi ao espelho e não gostei
notícias do mundo tão tristes
assunto não falta mas

hoje não me apetece escrever
talvez quem sabe uma questão
de confiança de falta dela
ou da chuva não sei mas

definitivamente
hoje não me apetece escrever

(xávega; reparar redes; torreira; 2012)

mãos (13)


eu queria escrever
poemas de amor

escrever com arte
o teu corpo o meu
os nossos

escrever coisas belas
que nada dissessem
para além da beleza
que há nelas

eu queria escrever
poemas de amor

poetar
a natureza o céu
as flores o mar
e os teus olhos

num poema
pensar o mundo
sem o mundo dizer

eu queria ser poeta
mas sou apenas um ser
que olha vê sente

e não cala a raiva a lágrima
que ensopam
estes dias-palavras tristes

(solheira; safar redes; torreira; 2014)