
barco de mar da xávega
Ontem, dia 16 de Julho, pelas 16 horas decorreu na Câmara Municipal de Mira uma reunião do executivo camarário com patrões e arrais de xávega, da costa portuguesa, que debateu as novas regras aplicar ao tamanho (do carapau) e quotas de pescado (sarda), e a forma como podem afectar a sobrevivência desta arte de pesca artesanal e centenária na nossa costa.
A xávega tal como é praticada na costa ocidental portuguesa é única no mundo e pode estar definitivamente condenada ao desaparecimento, caso lhe sejam aplicadas as regras anunciadas.
O responsável pela convocação da reunião foi o patrão e arrais José Vieira da Praia de Mira.
A reunião apoiada e patrocinada pela Câmara Municipal de Mira, foi presidida pelo Presidente da autarquia, Dr. João Reigota, ladeado por dois vereadores do executivo municipal, nomeadamente pelo Dr. Luís Grego que representa a autarquia no sector das pescas.
O tema que preocupava todos os pescadores, arrais, patrões e vendedores presentes, foi provocado pela intenção de ser levada à prática, ainda este ano a exigência de que 90% do carapau pescado pelas companhas, tenha a medida mínima de 15 cm – a medida actual é de 12 cm.
Estiveram presentes todas as praias onde a xávega ainda se pratica:
Paramos: 1 (companha)
Espinho : 1 (companha)
Vagueira: 1 (companha do filho do João da Murtosa)
Furadouro: 1 (companha)
Torrão do Lameiro : 1 (companha)
Torreira: 2 (companhas)
Praia de Mira: 6 (companhas)
Vieira de Leiria: 2 (companhas)
Pedrógão: 2 (companhas)
Perfazendo 18 companhas.
Considerando que o número de companhas, estimado em conversa com os pescadores presentes, a trabalhar na costa é de 22, as presenças foram em número muito significativo.
Se as medidas anunciadas e constantes de diplomas legais, forem aplicadas, a pesca artesanal de xávega desaparece da costa ocidental portuguesa, onde se constituiu como património cultural ao longo de séculos e da qual dependem, directamente, mais de 400 famílas e indirectamente muitas mais, que vivem da atracção turística que esta arte atrai.
Os presentes aproveitaram para relatar experiências vividas no seu dia a dia de pescadores e vendedores, e que são completamente aberrantes. Vejamos alguns exemplos:
– As redes têm a malhagem legal e os barcos estão devidamente licenciados, pelo que operam dentro de todas as normas exigidas legalmente, contrariamente ao que por vezes se pretende transmitir à opinião pública.
– A pesca artesanal é cega, assenta na experiência do arrais, mas não escolhe o peixe que vai ser capturado, é o que vier na rede. O que não acontece com os barcos de pesca industrial equipados com aparelhos que lhes permitem detectar os cardumes e o tipo de peixe. Na xávega a frase mais ouvida quando o barco vai ao mar é : “ O arrais tem fé neste lanço”.
– O peixe uma vez chegado à praia, mesmo se ainda com vida, é peixe que não sobrevive se lançado de novo ao mar. É peixe morto para todos os efeitos. No entanto, se não tiver a medida, não pode ser vendido, não pode ser enterrado na areia e se for lançado ao mar como as autoridades marítimas exigem, vai poluir as praias a sul, para onde o peixe morto é arrastado pela corrente dominate de norte, poluindo-as e pondo em causa muitas bandeiras azuis.
– Mas o que é um peixe sem medida? Trata-se do apreciadíssimo “jaquinzinho” ou “pelim” – que já regalou algum secretário de estado. Ora é tradição entre os arrais que se o primeiro lanço der só peixe miúdo, não se faz mais nenhum durante a manhã, só voltando a fazer-se novo lanço à tarde. Se o pescado se mantiver pára-se a pesca.
– O interessante é que este peixe pode ser adquirido nos hipermercados, devidamente embalado, oriundo da vizinha Espanha e com a denominação de peixe do “Mediterrâneo”, onde é consumido abertamente em restaurantes.
– Para cúmulo o carapau de 15 cm de comprimento, capturado pelas traineiras no outono, não é utilizado para consumo, mas sim para a transformação em farinha.
– Num país onde há quem passa fome, deitar peixe ao mar é crime. Foi por isso proposto que o peixe sem medida, pescado nos primeiros lanços pudesse ser vendido e repartido com instituições de solidariedade social, ou famílias carenciadas. Esta proposta não foi questionada pelos presentes.
Os presentes delegaram no executivo da Câmara de Mira a sua representação junto das entidades competentes, nomeadamente nas Autoridades de Controle Pesqueiro, tendo sido informados que já estava agendada reunião entre representantes do executivo e os responsáveis da área da Figueira da Foz.
Comprometeram-se ainda os representantes da autarquia em convidar deputados dos círculos de Coimbra, Leiria e Aveiro – círculos eleitoriais das zonas onde a xávega ainda se pratica – para uma reunião com os presentes, onde se debateria a situação vivida pelas companhas, caso seja levado à vante o pretendido.
Parece que tudo se está a conjugar para que esta arte de pesca artesanais desapareça e, repito, com ela seja posta em causa a sobrevivência de muitas famílias e seja liquidado mais uma importante património histórico, único em todo o mundo, servindo sempre os interesses de países terceiros e dos grandes industriais de pesca.
Que fique bem claro: as companhas de xávega cumprem em todos os aspectos – aparelho (redes e melhagem) e barco – toda a legislação em vigor. Operam legalmente na costa e não desenvolvem, por isso mesmo, quaisquer actividades clandestinas ou ilegais.
É a própria natureza da arte e o seu modo artesanal de proceder que indirectamente é posto em causa por legislação e legisladores que desconhecem, mais uma vez, a realidade . . . . . . . ou talvez não.