postais da ria (555)


em português nos entendemos
língua velha que não raiz
árvore que a cada dia floresce

português falamos sotaques
vários nos separam e unem
na diversidade somos palavras

abraçamo-nos sem faca na
manga quantas cores quantas
origens se fundem em nós

não somos os herdeiros de um ontem
que derrotámos mas construtores do futuro
sem preconceitos e sem vergonhas

descobriram agora que os lusíadas
a lírica foram escritos numa língua esquizofrénica
envergonhada diz luiz se assim foi

curvo-me perante estes libertadores
e em português me ergo desavergonhadamente

(bateira a arribar da faina; torreira; 2015)

postais da ria (552)


uma bomba caiu
dentro do poema

palavras estilhaçadas
mortas irreconhecíveis
escorrem sangue

é branco o sangue
das palavras
soma de todas as cores
a paz também

uma bomba caiu
dentro do poema

há letras perdidas
desaparecidas
amputadas mortas

é negro o sangue
das letras
ausência de todas as cores
a guerra também

(por caminhos de lama e ria; torreira; 2010)

postais da ria (546)


mar becker

com as mãos
esgaravata o chão
labuta diária

pedras preciosas
simples seixos
torrões de terra

garimpa e semeia
ciranda e lavoura
trabalha muito

dia após dia
no aparente deserto
renasce mar

a poesia acontece
no silêncio da casa
e ilumina os dias

(solheira; safar redes; torreira; 2011)

postais da ria (545)


que metáfora
para o sniper que alveja
uma criança indefesa
uma mulher que leva o filho pela mão
um homem que caminha

que metáfora
para o tiro certeiro
no peito na cabeça
para o assassínio preciso
sorridente impune de safari

que figura de estilo
para a terraplanagem 
o apagar da memória
o que tanto foi

que metáfora
para o genocídio impune
realimentado em dólares
e silêncio acomodado

que figura de estilo
falta ainda inventar 
porque tudo surpreende
quando pensávamos
já ter visto tudo

que metáfora
para esta merda de tempo
em que vivemos

(bateiras; torreira; 2013)