estou aqui de pé
virado ao vento
sou ainda o que fui
o que sonhei sonho
quero
estou aqui de pé
virado ao vento
sou ainda árvore
plantada no mar
navego
(passeio de moliceiro; ti abílio; murtosa; 2015)
oração
senhora aqui estou
a pedir por ele pela família
pela empresa a imobiliária que não é
vêdes senhora que televisões
trouxe para que se saiba
do meu sacrifício da minha fé
da nossa crença ancestral
faz tudo por nós pela família
perdoai-lhe se mente
o descaramento o biquinho
as pernas arqueadas de caubói
perdoai-lhe se deixa a palavra
em casa pendurada no cabide
não é por mal senhora é por nós
é pelos encargos pelas casas
pelos clientes pela boa vida
amanhã senhora aí onde me
esperais levo-vos uma oração
por ele que não seja treze
azar na roleta mas sorte na vida
no dia dezoito que domingo é
(moliceiro; murtosa; cais do bico; regata do emigrante; 2013)
da poesia
a poesia casa
o poeta dentro da casa
pensa-se diz-se é
o imaginado
a poesia janela
o poeta espreita o mundo
pela janela e retira-se
para dentro da casa
escreve respirou ar livre
a poesia porta
o poeta sai de casa entra
no mundo pensa-o
escreve-o descreve-o
cidadão da palavra
a poesia epígrafe
ou será epitáfio
esconde o medo do poeta
sob a capa do outro
o consagrado o inquestionável
teme pelo poeta
(moliceiros; s. paio; torreira; 2012)
os moliceiros têm vela (566)
a minha língua é filha e mãe
pare e acolhe é colo e berço
a minha língua é viva
a minha língua tem as portas
abertas às palavras
às gentes às geografias
a minha língua é antiga e jovem
é muitas linguas é rio
rico de afluentes desagua em delta
a minha língua é livre
se acordos quiseram acorrentá-la
oiçam-na migrante na sua terra
a minha língua é pacífica
mais que isso humilde
resigna-se a que dela mal digam
e o façam usando-a
a minha língua já foi e há-de ser
mais que os que a usam
permanecerá no tempo
sorrindo ao mundo portuguêsmente
a minha língua não tem dono
e só é minha porque a uso
não porque me pertença
e tua será se a usares
não mordas a tua língua
o sangue pode sufocar-te
(moliceiro; regata da ria; torreira; 2014)