os moliceiros têm vela (243)


notas de um retirante

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para que conste

em 1999 o mestre zé rito, que tinha o estaleiro ao lado de casa, construiu, a céu aberto num terreno em frente ao estaleiro, o moliceiro “zé rito”.

em 2016, o mestre zé rito construiu, a céu aberto num terreno ao lado do “museu estaleiro do monte branco”, o moliceiro “um sonho”.

evolução? continuidade? o que mudou para que tudo continuasse na mesma.

aqui fica o convite para visitarem o museu estaleiro e aprenderem vendo.

(construção do moliceiro “um sonho”; 2016)

construção de um moliceiro (16)


30 de agosto

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este registo foi feito ao princípio da manhã, ainda o moliceiro estava virado sobre bombordo. depois foi virado sobre estibordo e muitas foram as pequenas tarefas levadas a cabo durante o dia: calafetar, pintar, decorar, preparar o mastro, pintar falcas …. enfim uma infinidade de pequenas coisas que, quase sempre, tão portuguêsmente na
véspera, são o começo do fim da obra.

quis com este registo fixar os dois símbolos da murtosa: o moliceiro e a bicicleta. qual o murtoseiro que não se revê neles e, com eles; relembra histórias da sua vida?

foi o que aconteceu enquanto o mestre zé rito, o avelino e o setenove construíam o moliceiro. o josé oliveira e o pai, necas lamarão, pintavam as decorações. sim, eles foram os principais obreiros.

todos os dias nos encontrávamos ali, para o que desse e viesse. e, para além da mão que se ia dando quando necessário, vinha tanta coisa à conversa, foram tantas as histórias, as piadas, uma companhia que, ao mesmo tempo, se fazia aos que davam no duro.

enquanto o moliceiro era construído outras histórias se construíram.

vieram espanhóis, franceses, alemães, holandeses, portugueses emigrados, antigos moliceiros …. e todos ali estiveram como se em casa.

aconteça o que acontecer é impossível esquecer estes dias em que de manhã à tarde se conviveu com os mestres e a obra.

amanhã às 15 horas o “novo filho da ria” – frase do setenove – vai beijar a mãe. seremos muitos a assistir e a sentir que um pouco de nós vai com ele também.

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(torreira; 30 de agosto de 2016)

construção de um moliceiro (15)


29 de agosto

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depois de almoço chegámos ao estaleiro quase ao mesmo tempo, eu e o mestre zé rito. os dois e um moliceiro quase acabado.

com a rebarbadora o mestre lixava e depois afagava – interessante esta palavra – a madeira com a mão, para sentir a perfeição do trabalho efectuado.

palavras poucas, ouvia-se a rebarbadora, corria no ar uma poeira fina de madeira e o fundo do moliceiro adquiria um face nova.

havia ainda muito para fazer: calafetar, aparafusar, betumar, colocar pequenas cavilhas de madeira em pequenos furos…. tudo coisas miúdas, mas muitas.

ao longo da tarde foram chegando os amigos e o material que fazia falta. o mestre continuava sozinho, o seu trabalho enquanto a conversa o envolvia e amenizava a dureza da exposição ao sol.

na edição deste registo, mais que um momento queria transmitir um sentimento: o da solidão do mestre.

não sei se o consegui, mas depois de ter estado quase todo o dia no estaleiro só tinha uma frase para descrever o dia de hoje:

a solidão do mestre

espero que a sintam

NOTA – o bota- abaixo é pelas 15 horas, de quarta-feira dia 31

(torreira; 29 de agosto de 2016)

construção de um moliceiro (14)


28 de agosto

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o dia de fechar o fundo do moliceiro.

como se pode ver no registo de ontem, faltava colocar tábuas no fundo do moliceiro e fazer assim o fecho do fundo.

o olhar sabedor do mestre zé rito levou-o a escolher, do armazém, as tábuas de dimensões ideais para o efeito.

depois procedeu ao seu afeiçoamento de acordo com o método artesanal, que eu designo de “aproximações sucessivas”. é interessante ver o que separa os procedimentos científicos dos procedimentos artesanais.

sentado num banco/tronco ia espreitando pelas aberturas, ainda existentes no fundo, e por elas via os dois moliceiros que estavam ancorados na ria em frente ao estaleiro. eram janelas ideais para fotografar.

levantava-me de vez em quando e fazia uns registos.

a pouco e pouco fui ficando sem janelas, o fechar do fundo tapava-me a vista: um moliceiro novo enchia-me agora todo o campo visual. e isto também era novo.

neste registo o avelino ajuda a colocar a última tábua. quando ficou no sítio, levantei-me e saí.

muito trabalho há ainda por fazer. desde meter cavilhas, emassar, pintar ….. e voltar a virar de novo o barco para ser acabada a decoração, ser cheio de água e a madeira “fechar”.

amanhã também é dia, mas há cada vez menos dias.

(torreira; 28 de agosto de 2016)

construção de um moliceiro (13)


27 de agosto

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porque hoje é sábado e se avizinha o s. paio, muito mais gente se reuniu no estaleiro em torno do moliceiro em construção.

a meio da tarde, os mestres prosseguiam o trabalho quando, de repente, do meio dos amigos se ouve uma voz elevar-se:

– eh zé! com tanta gente aqui porque não aproveitas para virar o barco?

em pouco tempo parou a pintura e começaram os preparativos para virar o barco. esperava-se que, desta vez, viesse uma máquina para o fazer, mas os homens mandam mais.

seriam cerca da 17h30m quando o barco ficou virado – quase na vertical transversa – escorado a bombordo e estibordo, de forma a que se pudessem colocar as tábuas de fundo, que faltam para fechar totalmente o barco. não sei se as colocaram ainda hoje,,,, tudo é possível.

no final, comentava com um amigo: alguns dos que ajudaram, nunca imaginaram que o viriam a fazer de novo.

chamei o ti alfredo do táxi – 77 anos de vida repartidos entre a torreira e os estados unidos – e perguntei-lhe se contava, alguma vez voltar a fazer isto. a resposta, foi rápida e simples:

– foi a primeira vez que ajudei a virar um moliceiro novo.

para mim, pessoalmente, esta foto tem ainda outro valor, porque se houve um gorim que fez o registo, houve outro que ajudou a virar o barco, o meu primo domingos.

em torno de um moliceiro o que não pode acontecer!

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(torreira; 27 de agosto de 2016)

construção de um moliceiro (12)


26 de agosto

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em todos os processos há sempre alguém, por vezes muitos, cuja presença silenciosa e trabalho dedicado, torna a obra possível. ninguém fala deles, ninguém deles se lembra, mas sem eles não teria havido obra.

chama-se avelino, para que conste, mas poderia ter muitos nomes, tantos quantos os que não deixaram o nome ligado a qualquer obra.

pinta, serra, varre, ajuda em tudo e em tudo deixa um pouco de si. fala pouco, sorri por vezes, não pára quase nunca.

neste registo, está a pintar o leme que ajudou a fazer, deixando o círculo que o pintor preencherá com o símbolo do mestre construtor.

já pintou as falcas, irá dar bondex no interior do barco, fará o que o mestre lhe pedir. porque ambos se conhecem o suficiente para saberem até onde cada um pode ir.

o mestre zé rito continua a fazer peças de madeira, os pintores decoram bordaduras, painéis, dão ao moliceiro a vida que o torna mais belo ainda.

os que assistimos, e somos sempre muitos, fazemos o que podemos quando nos pedem ou sentimos que podemos ser úteis.

contam-se histórias de vidas e há em todos, excepto no mestre zé rito, um certo nervosismo quando se fala na data de conclusão da obra.

o mestre continua a sorrir, a trabalhar e, quarta-feira, o barco irá pela primeira vez beijar a ria. ele sabe-o e isso basta.

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(torreira; 26 de agosto de 2016)

construção de um moliceiro (11)


25 de agosto

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os trabalhos têm continuado a bom ritmo, apesar da chuva de ontem.

neste registo pode ver-se o mestre zé rito a cortar a última tábua do leme, o pintor josé oliveira – zé manel, na beira ria – a pintar a bordadura do painel da ré e o pai, necas lamarão, a pintar a antepara da proa e o vertente.

o interesse deste registo reside no facto de que todos eles estão de costas, sendo assim os intervenientes identificados nominalmente aqui, mas representando toda uma tradição de construção naval artesanal de moliceiros.

repare-se que no bordo de estibordo já estão colocados os pés das falcas, a que se seguirá a fixação das mesmas.

as falcas de estibordo estão quase prontas.

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(torreira; 25 de agosto de 2016)

construção de um moliceiro (8)


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21 de agosto

hoje acabou-se o fecho dos costados do moliceiro.

neste registo o ti alfredo do táxi – porque foi dono do primeiro táxi da torreira, antes de emigrar – segura a tábua que o mestre zé rito aplaina e irá ser colocada na parte inferior da proa, a estibordo.

para fechar totalmente o barco, ficam só por colocar as tábuas de fecho do fundo.

amanhã começa o trabalho de decoração do barco, a cargo do pintor zé oliveira que, há cerca de 25 anos, decora moliceiros e para os quais vai inventando os temas que tão bem caracterizam os painéis. vamos ver o que sai desta vez.

quanto à colocação da tábua, depois de afeiçoada, não fiz qualquer registo porque…. fui membro da equipa do turno que a aguentou enquanto o mestre a fixava.

(torreira; 21 de agosto de 2016)

construção de um moliceiro (7)


20 de agosto

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hoje começou a pintura do moliceiro.

a elegância da forma, as cores com que é pintado, a decoração global do barco, fazem dele qualquer coisa de único e extraordinariamente belo.

seja então hoje a celebração do barco e deixemos que ele nos encha de alegria e de cor.

os sorrisos espalharam-se pelos rostos de todos os presentes: o pincel e o rolo começaram a cobrir a madeira crua e o barco tornou-se coisa viva.

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(torreira; 20 de agosto; 2016)

construção de um moliceiro (6)


19 de agosto

hoje o mestre zé rito, andou entre o acabamento da proa e o leme e pequenas tarefas de aperfeiçoamento. do varrer ao polir, de tudo se fez um pouco e os amigos ajudavam onde era preciso a cada momento.

momentos houve, como todos os dias, em que o mestre trabalhava e conversava com os amigos, dizia piadas e continuava. a obra é um acto de contentamento e não o resultado de um sacrifício.

emigrantes, reformados, pescadores, turistas …. muitos foram os que por ali passaram, os que ali ficam e convivem.

dos muitos momentos vividos ao longo do dia, fica o registo último que fiz antes de os deixar: o colocar do último “cunho” do castelo da proa, depois do “bertente”.

como já escrevi, este não é um diário técnico, nem o pretende ser, é isso sim, uma memória dos dias vividos junto à ria à mesa de um moliceiro em construção.

como disse o setenove, em torno ” de mais um filho da ria”.

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o mestre zé rito coloca o último “cunho”

(torreira, 19 de agosto de 2016)