zé trabalhito: presente!


 

os pescadores não morrem, partem para outros mares (dilvandro)

do mar vim

ao mar regresso

a vida é sal que trago em mim

mar feito corpo

o mar nasce-me nos olhos

onde morrem as lágrimas

 

secas de o não ter

salgadas mulheres em terra

homens no mar

 

é no desespero que se salgam os olhos

 

mar

sal

suor

rede

sal

peixe

raiva

sal

e o mar de novo

 

 

…. do mar !

tenho medo

é de andar de carro

o bordão da regeira da ré


(torreira; companha do murta; 2009)

as mulheres da torreira
sabem do bordão
o peso
carregam-no às costas

como carregam
a lida da casa
as contas da mercearia
o pão para os filhos
o peixe para a janta

a sardinha
arde na brasa
a cavala na panela
as batatas

mais um dia
menos um dia
quem sou eu
para lhes falar do tempo
se só sei ouvir o mar

do bordão e das suas funções no largar


 

ti antónio neto (falecido)

continuemos a falar do bordão

na praia da torreira, na hora da partida, o barco é seguro por 3 cordas e a muleta (de madeira)
as cordas são:

– o reçoeiro, extremidade da corda (cala) que, ligada à rede fica em terra, e enrolada na bica da ré é manejada pelo arrais  no segurar do barco

– a regeira da ré, também enrolada à bica da ré e mantida firme por um grupo de homens e mulheres

– a regeira da proa, presa por vezes a um dos golfiões da proa, e que é presa, em terra, a um bordão que é enterrado na areia.

desta forma se mantém o barco perpendicular à praia, fazendo frente às ondas sem risco de virar.

o ti antónio, que já lá vai noutros mares, era sempre, na companha do marco, o homem que levava o bordão da regeira da proa, o enterrava na areia e fazia.

de poucas palavras, como o bordão que tão bem conhecia.

até sempre ti antónio, neto de apelido, de que conheci o pai e cujos sobrinhos netos, que filhos não os teve, continuam na faina da xávega

(torreira; 2009)

nem o golpe de asa


outono pessimista, não me lembro quando

“ o golpe de asa “

não me faltou

sequer o tentei

e foi na sombra de mim

que desde sempre habitei

 

serei sempre

o que se perdeu

julgando encontrar-se

o sonho encalhado na berma

o quase…

 

tudo aconteceu ao contrário

de mim

e por aqui fiquei

amparado nos muros toscos

de sobreviver assim

até que…

 

depois

esquecer-se-ão do que fui

e talvez inventem

no eu não ter sido

o que talvez não tenha vivido

 

memória dos bois


 

dos bois a memória

 

 

a faina começa
o boi aguarda que chegue a sua vez

o barco faz o lanço
e regressa à areia
então o chocalho toca
suave

depois é a vez das redes
lento e forte vai puxando
e o chocalho não se ouve
o passo é forte miúdo

súbito as bóias
é preciso ser rápido
para não se perder o peixe
as juntas correm
os homens gritam
todos ajudam a chegar ao saco

então o chocalho canta
uma música única corre pela areia
venha peixe ou não
a música chega à exaustão

(torreira)