onde a água é luz


água luminosa esta

vai pela beira da ria
caminha sem pressas de cidade
o tempo parou por momentos
para seres e estares

escuta as cores
sente como a música se desprende delas
e se faz em ti
a sinfonia que nunca sonhaste poder ser

não interrogues a ria
deixa que ela te fale e te encontre
ali onde os olhos mergulham
na superfície das coisas
para lhes encontrar a raiz

és
o encontro de ti
contigo
aqui onde as cores
são música
e a água é luz

(marina dos pescadores; torreira)

as flores da virgem


a virgem na bica da proa_renovação do ramo

a fé dos pescadores revela-se nos mais pequenos detalhes, mas há um, nas companhas de xávega, que é emblemático: a imagem do santo padroeiro (mais vulgar a nossa senhora de fátima) na bica da proa rodeado por um ramo de flores.

serão de plástico as flores, que impensável seria naturais, mas mesmo assim vão-se degradando com a fúria dos elementos, por isso, de tempos a tempos, é preciso renovar o ramo e, quiçá a imagem – embora isto seja muito raro, só em caso de acidente e destruição da imagem.

é  o momento em que os homens do mar acarinham a sua protecção como se de uma mãe.

(torreira; companha do murta 2006)

o sabor do amor


ruínas

 

como eu vos amo

homem da rua
mulher sem leite
criança sem pão

como eu vos amo

velhos sem casa
doentes, sós
sem remédios
porque sem nada

como eu vos amo

vós que só jantais
uma malga se sopa
água onde não sei
o quê ferveu

como eu vos amo

espoliados de tudo
escravos do mísero
ordenado,
quase mendigado

mas
como eu gostava
de não ser preciso
este amor
como eu gostava

quando o mar trabalha na torreira_patricia carinha


patrícia carinha

patrícia carinha

 

aroma de mar

doce intenso

essências de sal e sol

refrescam o corpo

 

é esse o meu perfume

desde pequena que o uso

encontrei-o no meu deambular

de criança pela areia da praia

quando uma onda mais atrevida

me molhou toda

 

tenho o perfume entranhado na pele

por isso é de mar o meu rasto

rainha desta praia

também eu sou a xávega

 

(torreira; século XX)

um país faremos


ser e expandir-se

é possível
sonhar
outro país

um país de gestos limpos
e olhos claros
o país de sophia

ombro a ombro
solidário
um país
sem fome de justiça
nem janelas com grades
nas bocas famintas

um país
onde amanhã apeteça
onde ser
não seja a dolorosa caminhada
dos dias
mas o prazer renovado de dizer:
aqui sou

um país
aberto ao mar do sonho
seja o país de todos
e não apenas de alguns

é necessário
querer esse país
a partir de hoje
a partir de ti
a partir de nós

o país que queremos
é o país que faremos

sou


mais que uma flor, uma rosa

 

sou

tudo o que fui

 

sou

todos os que antes de mim

fizeram com que fosse

 

sou

a continuação, nada mais

da memória dos meus

ainda aqui, porque eu também

 

serei

quando deixar de ter sido

nos que em mim encontraram

raízes para o serem

e me amarem

 

somos

todos os que antes de nós

cansados de existir

subiram à terra

descansam no mar

ou simplesmente são

esta necessidade permanente

de os continuar a amar

 

todos os dias

sou

todos