dos moliceiros e do moliço
até meados da década de 60 do século passado, os montes de moliço cobriam todo cais do bico.
segundo os dados coligidos pelo comandante rocha e cunha, no livro " notícia sôbre as indústrias marítimas na área da jurisdição da capitania do pôrto de aveiro" (1938, gráfica aveirense)
" .... em 1938 existiam na ria 1750 moliceiros, que rendiam 3.600.000$00.
pesca lagunar no mesmo ano:
nº de pescadores- 1.255; nº de redes - 1.354; rendimento - 1.981.582$00."
percebe-se assim a importância que o moliço tinha na economia da ria de aveiro.
era tal a quantidade apanhada que houve que estabelecer um período de defeso, correspondente ao da desova e criação dos peixes que escolhiam a ria como maternidade.
da memória
da ilha do amoroso, uma das três grandes ilhas existentes na ria de aveiro -- monte farinha, testada e amoroso -, era co-proprietário um tio avô meu (césar cravo, também conhecido por césar gorim), o que me permitiu assistir a uma das mais belas cenas da minha juventude: o pagamento dos moliceiros e mercantéis.
todos os domingos, no fim da missa, com a "roupa de ver a deus", os donos dos barcos dirigiam-se a casa do meu tio avô, que os esperava à porta, na eira, com uma garrafa de vinho fino, um cálice e uma saco de pano. um a um iam chegando e cada um dizia: sr. césar são tantas barcadas de moliço, tantas de arrolado, tantas de junco, o que dá... e o pagamento era feito para dentro do saco e anotado.
havia dois tipos de moliço: o que era apanhado no fundo e o que andava à superfície da ria (arrolado), tinham preços diferentes, o primeiro era mais caro.
o junco, era apanhado em terra, com gadanhas, e carregado por mercantéis.
ambos serviam para adubo, embora o junco fosse utilizado para fazer a cama dos currais, antes de ser usado como adubo.
do bico
nos locais em que não havia cais para descarregar o moliço ele era carregado directamente para os carros de bois, que entravam na água, ou depositado nas praias onde ficava a secar.
um dos instrumentos utilizados para a descarga era a "forquilha", servia para "atirar" o moliço para cima do carro de bois, onde era depois ajeitado pelo comprador. O outro era o "engaço" que servia para puxar o moliço.
um barco carregado tinha feito uma "maré de moliço".
do homem
chama-se josé rebeço, esteve muitos anos emigrado no canadá, depois de abandonar a vida de moliceiro.
de regresso à murtosa, não resistiu a recuperar um moliceiro e, com ele, participar em regatas e recriar o voltar a apanhar moliço. moliço que já não há, o que havia nesse ano era uma alga, a que os pescadores chamam "cabelo de cão". foi essa que o ti zé rebeço apanhou e levou para adubar as suas terras de cultivo
a tripulação normal de um moliceiro é de dois homens mas, sozinho, josé rebeço resolveu o problema recorrendo a um pequeno motor, colocado na beirada do barco.
durante breves instantes o cais do bico remoçou
Um documentário importante e ilucidativo que perpetua a memória das gentes, da sua arte e do trabalho que desenvolveram em prole do seu país….