não vejas só com os olhos
de ver
deixa-te ser naquilo que vês
cria
tens essa liberdade
o sonho é teu
oferta-o
(bico; regata de moliceiros; agosto; 2007)
repararam as redes
aparelharam o barco
estudaram o mar
fizeram-se a ele
venceram-no de novo
lançaram a rede
regressaram a terra
arribaram e ganharam de novo ao mar
alaram o aparelho
suaram muito
foram todos e todos forma um
o saco trouxe peixe
ajoelharam-se
curvaram-se
suaram de novo
reaprenderam a contar
mediram escolheram
separaram sonharam
partem agora
para novo desafio
o dos homens
o do preço
da lota
ganham-lhes menos vezes
que às força indómitas do mar
chamam-lhe mercado
eu digo “ladrões!”
(torreira; companha do marco; 2010)
a lama chegava onde
a maré de ir
atolei-me
e também fui
a lama chegou-me onde
são muitos
mais que todos os outros
menos que os outros todos
ouviram as promessas
acreditaram
quiseram
esperarão
e terão
um dia
não o que querem
não o que merecem
o que lhes derem
será o que
quiserem
quem pesca na ria
não pesca no prato
a lama chegará ainda
(torrreira; porto de abrigo)
se o saco traz peixe em quantidade, enchem-se com ele caixas de plástico, que são despejadas no atrelado onde a companha faz a escolha para caixas menores, separando por espécies e tamanhos.
depois as caixas são despejadas para dentro de uma tina cheia de água do mar, lavado da areia, e peixe é finalmente acomodado nas caixas em que irá à lota.
poucas são as praias que têm lota, no caso da torrreira o peixe é vendido na lota de aveiro ou matosinhos, conforme a hora, a quantidade e o preço a que estiver a correr o peixe que foi pescado em maior quantidade.
(torreira; companha do marco; 2010)
uma frágil linha
ténue
brevíssima
separa o real do real
(confunde-te o que digo
mas escuta)
se longe ou de perto
o mesmo
é muito diferente
como o vires
assim o darás
a beleza longe
é dor se perto
ambas reais
que tu recrias
em coisa única
sem o saberes
não sejas apenas
os teus olhos
(torreira; cabrita de pé)
nem tudo o que luz é prata
é peixe do mar
pelas ruas as peixeiras
corriam descalças
canastra à cabeça
quantos quilómetros nos pés
na garganta a cantiga
variava conforme a praia
“é peixe do mar”
“sardinha do nosso mar”
quantas vezes peixe na ida
couves batatas cenouras broa
algumas moedas ou notas
no regresso
o cansaço e o pão
sempre o pão
para a mesa da janta
foi-se a sardinha
do carapau o intermediário
come a carne e deixa a espinha
a cavala devora o carapau
afasta-o da costa
e é de pouca valia quando enche as redes
o jaquinzinho
é perseguido pela europa
e seus sicários nacionais
para ser comido
em manjares recatados
para depois ser vendido como canção
xávega quem te ouve?
(torreira; companha do marco; 2010)
quando as mangas chegam à praia é necessário “ampará-las” para que não sejam arrastadas pela força da corrente e se abram, deixando o peixe fugir.
se não se tem este cuidado pode-se dizer que todo o trabalho de um lanço “morre na praia” porque sem peixe.
para amparar as mangas servem os bordões e a força de braços e pés.
aos bordões, chamam os pescadores da praia de mira “estacadões”. este é um dos problemas com que se defrontam os “estudiosos” da artes de pesca: as designações locais para o mesmo apetrecho ou arte. mas isso é outro assunto.
a dar o seu melhor estão o massa (joaquim rodrigues) agarrado ao bordão e o gabriel dias.
(torreira; companha do marco; 2010)
só sei de dois mares
o dos que ficam com ele
pendurado nos olhos
e o dos que só são se por ele dentro
ter o mar por destino
é ter nascido e crescido a ele igual
tê-lo ouvido rugir no berço
nas noites de nortada invernal
e esperar ansioso o dia
de com ele noivar
(torreira; companha do marco; 2010)