o medo


 

a safar redes no chegado

a safar redes no chegado

 

 

o medo

queria-o de contornos

bem definidos

reconhecível

 

não assim

pressentido em cada frase

nos semblantes

na dúvida inserta a tudo

no tempo e nos modos

nos dias de cada um

 

amanhã

começará abril

o iluminado mês em que cravos

por armas se trocaram

 

amanhã

queria oferecer-te um país

colado no rosto de um povo

que tivesse nomes de gente desta terra

e não palavras estranhas

orçamentadas e frias

por habitantes

 

não tenho medo do medo

que dele conheci as manhas

tenho medo que tu o tenhas

e à sua sombra vivas

só por medo do medo

 

não te roubaram o sol

mas

terás de lutar por ele

de novo

o saco e a calima (1)


 

delmar viola

delmar viola, a desamarrar a calima

 
preso à extremidade do saco está o arinque/bóia que o sinaliza, a calime/a.

quando o saco chega à praia e está ser rebocada para lugar seguro, no momento em que a sua extremidade se torna visível, é preciso desamarrar a calime/a.

é isso que o delmar viola está a fazer

 

(torreira; companha do marco; 2010)

lameirense, a memória de um moliceiro


 

 

o lameirense vivo e a vencer a nortada

o lameirense vivo e a vencer a nortada

em 2009 era assim, um barco pujante, o último moliceiro do torrão do lameiro, freguesia do concelho de ovar que confronta a sul com a torreira.

hoje nada mais é que memória, haverá 2 anos que com o casco apodrecido, partiu para aveiro.

 

um a um os moliceiros vão deixando de ser os barcos da ria, para serem os barcos do canal de aveiro.

 

fica a memória de um tempo. nada mais.

 

(regata da ria, 2009)

a fala silenciosa dos bois


 

 

mansa força bruta

mansa força bruta

 

somos agora outros
não tantos
não tão possantes
marinhões ainda
força
mansa e bruta
bois juntos
juntas de

memória de ter sido
nos genes tão só
cuidai disso quando
de nós quiserdes
o que fomos
sem o sermos

reviver não tem de ser
sofrer

(recriação da xávega, torreira, setembro 2013)

a lição


 

o fernando nuno a repara as redes da solheira

o fernando nuno a repara as redes da solheira

 

(o drama do redeiro

“quanto mais malhas faço
mais buracos ficam”)

 

sabe-te aqui
um aprendiz da vida
das coisas simples
que não carecem de escola outra

em cada dia
comer o pão
suado
é lição bastante
de sabedoria

ouve

(torreira; porto de abrigo)

escuta-te


 

 lentos, os moliceiros aproximam-se, deslumbramento de

                                                                                    lentos, os moliceiros aproximam-se, deslumbramento de

raiva de não poder
prender o tempo
permanecer por dentro
dos instantes em que
o deslumbramento
cresce para mim

escuto de novo o silêncio
a isso te convido também

o que ouves
não é som
é imagem
é música

escuta-te

 

(ria de aveiro; torreira)

o chegar do saco e a calima


 

lá ao fundo a calima(e)

lá ao fundo a calima(e)

 

 

o lanço está quase terminado, falta só ver o que deu.

o saco chega à praia, ao fundo vê-se a bóia, “arinque” que assinala o fundo do saco e que aqui, como na antiga xávega da costa algarvia, se chama “calima” ou “calime”

 

(torreira; companha do marco; 2010)

a imagem é a mensagem


 

 

a apanha de bivalves nos secos da ria

a apanha de bivalves nos secos da ria

 
busca a essência dos dias
nas coisas mais simples
que não as mais evidentes
muitas vezes sequer as visíveis
abre os dias por dentro

não são de oiro o suor
as dores no corpo vergado

mostra o sentir
mesmo se tiveres de mostrar
o que não se vê

a imagem é a mensagem

 

 

(ria de aveiro; torreira; mariscar)

barrancos na praia


 

 

agostinho trabalhito

agostinho trabalhito

com as marés vivas de s. bartolomeu, muitas vezes criam-se na praia autênticos barrancos.

os tractores têm de ficar no cimo enquanto as redes vêm pelo areal, rente ao mar. os homens, então crescem, esticam-se e cumprem as suas tarefas.

neste registo o agostinho está a amarrar a corda de alar antes do calão para que este não passe pelo alador.

força, agostinho!

 

(torreira; companha do marco; 2010)