postais da ria (568)


tudo velho no ocidente
cheira-se o sangue
do médio oriente

no corno de áfrica
a vida não vale um corno
a ponta sequer

tudo velho no ocidente
mata-se em áfrica
no médio oriente

dá-me ouro petróleo
metais raros gaz natural
morrer é normal

tudo velho no ocidente
morre-se jovem em áfrica
no médio oriente

não vale um corno
este ocidente

(a mão; o saco de berbigão; torreira; 2015)

mãos (13)


eu queria escrever
poemas de amor

escrever com arte
o teu corpo o meu
os nossos

escrever coisas belas
que nada dissessem
para além da beleza
que há nelas

eu queria escrever
poemas de amor

poetar
a natureza o céu
as flores o mar
e os teus olhos

num poema
pensar o mundo
sem o mundo dizer

eu queria ser poeta
mas sou apenas um ser
que olha vê sente

e não cala a raiva a lágrima
que ensopam
estes dias-palavras tristes

(solheira; safar redes; torreira; 2014)

mãos (10)


vazias mãos de 
tanto terem dado

sou
o que resta
migalhas de mim
por aí espalhadas

e eu 
eu nada
ao dar dei-me
e fiquei assim

vazio de mim
a olhar o horizonte
o sonho perdido no mar
a gaivota a passear a areia
o desespero

não regresso
fui-me
e não voltei

resta o casco
carcomido
encalhado

não cansado

(reparar redes; torreira; 2011)

postais da ria (393)


a lama dos dias

lembrados sereis
pelo que não fizestes

fracos heróis
tendes o tamanho da vossa ausência

impossível desfazer o nó 

ao valor do homem
sobrepôs-se o valor das coisas
sinal dos tempos digo

sabedoria antiga de aldeia 
nos meus ouvidos soa
vós é que sabeis

sobre vós a lama no nome