escrevo-te corpo descrevo-te perco-te encontro-me corpo sopro de
(apanha de bivalves; a chegada; torreira; 2017)
ainda
estarei onde
os olhos poisarem
serenos de
sou o que regressa
por ser
esta a terra o mar
as gentes
vivo onde estou
sou onde sinto
um sorriso
questiona-me
já por cá
ainda

os “henrique gamelas” pai e filho
(torreira; cabrita baixa; 2012)
deixa-os descobrir
deixa que pensem
a higiene mental diária
só lhes faz bem
ignoram porém
que tu também
as pedras no caminho
há sempre pedras no caminho
não são exclusivo de ninguém
deixa que pensem
que só as há no teu
entre a ignorância
e a sabedoria
a fronteira é ténue
deixa-os descobrir

(torreira; saco de berbigão de 20 kg; 2009)
o real no virtual

amanhã
quando falarem de mim
ou me esquecerem
como é normal
que fiquem estas imagens
de um tempo
de uma gente
de um modo de vida
a minha memória
será então
não um nome
mas o que ficou
espalhado
nas redes sociais
num mundo virtual
onde o real resiste
sem fronteiras
(torreira; 2016)
o poeta é

seres tu o poema
poesia os teus dias
o poeta é
o mais são palavras
em busca da luz

(torreira; 2017)
da amargura

o manuel fonseca (manuel tala) a cirandar berbigão
quando o conhecido
se torna desconhecido
é tempo de ser outro
os navios partem
sem saber de regresso
semeando o mar
de saudades amargas
fecham-se portas
outrora escancaradas
e não há janelas
por onde luz venha
é tempo de ser outro

o colorido dos dias é agora outro
(torreira; julho; 2016)
nunca mais

rapa-se o cabeço em busca ameijoa ou berbigão
à beira ria juntam-se
os que regressaram
contam os dias idos
o tempo em que partir
já era urgente
não por ser parca a safra
mas sem futuro
o que a vida prometia
do que havia então
pouco resta
nem moliço nem peixe
sequer a ria
olha-se tudo com tristeza
regressou-se à ausência
vive-se com a memória
sente-se que o fim de tudo
não tarda e repetem
não há futuro aqui
nunca mais

a névoa cobre tudo, até o futuro
(torreira)
cabrita alta

joão manuel dias
escrevo sete metros
nunca menos
mais de dez quilos
lançar arrastar puxar
lama cascas ameijoa
quantos quilos mais?
os músculos retesados
joelhos fincados
na borda na bateira
esmagam rótulas
tenso o dorso
o esgar na boca
nos olhos no rosto
os dentes cerrados
o esforço verga o corpo
desgasta-o deforma-o
o homem não é de ferro
a cabrita sim tem dentes
ferrados na lama na carne
rasga músculos fere
escrevo sete metros
nunca menos
mais de dez quilos
quero que os sintas
ao leres

no fundo da ria e cabrita arrasta
(torreira; cabrita alta; 2012)

é dura a solidão do pão
hoje saí à rua nu
enquanto caminhava
fui-me vestindo
com tudo o que via
cheguei a casa
com roupa nova

ajoelhado na lama um homem, ou uma mulher, busca na lama o sustento
(torreira; apanha de bivalves)