skim board_buarcos (13)


a aldous huxley

com os olhos em gaza
só em língua morta
agónicos nos dizemos

actores e espectadores
espécie quase extinta
homo horribilis somos

com os olhos em gaza
impotente escrevo
planto palavras-minas

sei-me apenas mais uma
voz num deserto
povoado de outras vozes

o que resta do sonho
é o sonho em nós
com os olhos em gaza

(skimboard; praia da tamargueira; buarcos; 2011)

crónicas da xávega (618)


dezembro começou com sol
dia bom para lavar e secar o natal

fiz máquina com todos os ingredientes
anticalcário detergente amaciador
programa longo
dupla centrifugação à rotação máxima

estendi na varanda coberta
não fosse a chuva tecê-las
esperei que secasse

quando o tirei da corda estava na mesma
manchas de sangue nódoas de lágrimas
aquele vermelho berrante de refrigerante
enlatado entranhado

depois de tanto trabalho o resultado
foi levá-lo para o contentor de reciclagem
e esquecer mais um investimento familiar

(xávega; dar o porfio; torreira; 2012)

os moliceiros têm vela (579)


a eugénio de andrade

não há palavras
interditas perante o horror
netanyahu assassino

bombas e mísseis
lavraram a terra
que o sangue regou

nos escombros de gaza
um braço nasce
uma perna perdeu-se

desumana lavoura esta
semeadura de mortos
colheita de amputados

netanyahu assassino
não há palavras
interditas perante o horror

(moliceiros; regata do emigrante; cais do bico; murtosa; 2014)

postais da ria (568)


tudo velho no ocidente
cheira-se o sangue
do médio oriente

no corno de áfrica
a vida não vale um corno
a ponta sequer

tudo velho no ocidente
mata-se em áfrica
no médio oriente

dá-me ouro petróleo
metais raros gaz natural
morrer é normal

tudo velho no ocidente
morre-se jovem em áfrica
no médio oriente

não vale um corno
este ocidente

(a mão; o saco de berbigão; torreira; 2015)