é fácil

o carregar do saco
se te perguntarem por mim
diz que não estou
é verdade
se perguntarem porquê
diz que não sabes
é meia verdade
se te fizerem mais perguntas
diz que tens de fazer
é fácil

o carregar do saco
(torreira; 2010)
é fácil

o carregar do saco
se te perguntarem por mim
diz que não estou
é verdade
se perguntarem porquê
diz que não sabes
é meia verdade
se te fizerem mais perguntas
diz que tens de fazer
é fácil

o carregar do saco
(torreira; 2010)
o meu país

o carregar do saco
o meu país é habitado
mora nas minhas fotos
nas minhas palavras
o meu país é de carne
osso e muito suor
mal pago
o meu país dói-me
e se luto faço
é porque luto
todos os dias
o meu país
é habitado
ainda
o meu país é de carne
osso e muito suor
mal pago
até quando?
(praia da leirosa; 2017)
da areia

o arribar do saco
todos os caminhos são
de areia
quando o esquecemos
areia fomos
(torreira; 2009;
meditação breve

carrega-se o saco para dar a volta ao barco pela ré
como areia por entre as malhas
dos dedos estes dias
tece-se a rede com fios de raiva
cansaço desespero
por vezes
caminha-se e é o mar
sempre o mar
que dá destino aos passos
não os homens
teima-se
teima-se muito
mas o carnaval é o ano inteiro
e não há máscara
que não caia ao anoitecer
acendo um cigarro
que não fumo
abro uma cerveja
que não bebo
e faço de conta que existo
para me rir de mim

não há máquinas para estas tarefas: há homens
(torreira; 2010)
do cigano

o luciano e o trovão
olho tudo como se
me despedisse
cheio de memória
sei que parto
dobrado ao peso
de ter tentado
vivi demasiado
o que não devia
quem te mandou cigano
pensar ter casa

o peso do saco
(torreira; companha do marco; 2010)
pelo pão de cada dia

o mestre de redes e o saco
no chão estendido
um véu rendado
é manto que cobre
homem e mar unidos
na malha dos dias
onde sol sal areia e suor
se fundem num só corpo
por debaixo das nuvens
nos caminhos percorridos
pelo pão de cada dia

como se um véu de noiva o saco nas mãos do cebola
(torreira; companha do marco; 2010)
as maõs e os olhos do mestre das redes, o cebola, percorrem o saco em busca de rombos
são pescadores

o chegar do saco
há quem deixe nome
obra e fama
herança quanto baste
há quem nada deixe
porque nada foi
no tanto de ter sido
oferecem o corpo
ao mar
vestem-se de vento
e areia
perdem-se à noite
por onde mais
ninguém senão eles
são ninguém
são gente
são pescadores

há os que partiram, os que resistem e os que já não voltam
(torreira; companha do marco; 2009)
depois de o saco chegar a terra é preciso, soltar o arinque da extremidade do saco: a calima ou calime.
é isso que faz nesta foto uma pescadeira da praia da mira, da companha do zé monteiro

(xávega; praia de mira; 2009)