à memória do ti borras – nascido manuel maria da silva, patacas


(torreira; anos 90; a espera para ver e comprar)

virado para o mar
olhando o longe

recordo o ti borras
pescador de outros tempos
do barcos de quatro remos
de tantas juntas
que não conhecia mar que o impedisse
de trabalhar

se o mar fosse de vinho
ia a pé até à américa
dizia

recordo o ti borras
pescador e senhor dos mares
recordo e não vejo lembrança dele
ficou um beco com o seu nome
que se apagará no tempo

que começa a apagar-se

o tempo não pode ser deixado a si próprio
ainda não atingiu a maior idade

salvé césar gorim


(o guiador da bicicleta; murtosa; s/d)

guiador guia-me

ensinou-me a amar a ria
de miúdo levava-me pelos canais

da palavra ensinou-me o valor
da verdade ensinou-me a dizê-la

dos homens o respeito e o amor
ao próximo

em 1978 partiu
a mim só me deixará
quando eu partir também

quando com ele
bom dia senhor césar e companhia
assim cresci na murtosa

salvé césar gorim

alberto estrela (aos amigos que partiram)


(alberto estrela; torreira; 2006)

boa noite estrela

soube
pelo teu filho
você deve conhecer o meu pai
o estrela

a frase continua a martelar-me
a cabeça

que tinhas partido
ninguém sabe para onde
mas todos sabem que não voltas

sabes estrela
a vida é feita de encontros
e desencontros
nós há muito que não nos encontrávamos

vinha e não te via
e pensava
está para o mar
era normal

e vai continuar a ser normal
porque para mim estrela
tu estás no mar
e é por isso que não nos encontramos

um abraço do teu amigo

cravo

a caldeirada


(muito resumidamente)

quando em 1751, segundo a prof. inês amorim, a xávega chega a portugal, mais precisamente à costa do furadouro e torreira, já os pescadores da ria iam ao mar, à sardinha, com grandes chinchorros.

o fechamento da barra da ria, só reaberta em 1808, fez com que os pescadores da ria levassem as suas artes para o mar e nele lavrassem a sardinha que abundava.

com o aparecimento das traineiras e, mais tarde, com a utilização do cerco americano na pesca da sardinha, é feita uma “limpeza” na costa e as companhas passam por momentos de crise e reconfiguração. muitas desaparecem.

era então comum, e foi-o durante muito tempo, uma retribuição em espécie (peixe) aos pescadores – a caldeirada, quinhão, rapola, teca (no sul).

hoje em dia, nas companhas que restam, já não é a sardinha a fonte de riqueza, mas sim o carapau. a retribuição em espécie, como regra, desapareceu e o normal é os pescadores levarem para casa, para o almoço ou a janta, peixe de pouco valor comercial.

neste caso, o dono da companha, josé monteiro, resolveu distribuir uma caixa de carapau por todos os membros da companha.

assim, fizeram-se 18 montes, que se foram acertando até ficarem praticamente todos iguais.

(praia de mira, companha do zé monteiro; 2009)