a cama


ler as mãos

 

sobre a mesa
a toalha
de plástico, gasta
vincada de tanto

uma sopa
um pão
e um amontoado de comprimidos

a rua entra pela porta
de rachas abertas ao frio e ao sol
a rua é ali também

sobre a mesa
a toalha
a do almoço
do jantar
(se houver)
sempre a mesma

a toalha
onde as lágrimas
escrevem com sal
uma vida gasta
cansada
de tanto

sobre a mesa
sobre a toalha de plástico
adormeceu
tinha vendido a cama

quando o mar trabalha na torreira_o arribar


arribar

o barco está a arribar

todos seremos poucos
para o trazer a terra

é preciso que não vire

cordas correm na areia
ganchos que urge
engatar
ir pelo mar até onde o corpo
permita

ensinar-lhe o caminho
mantê-lo direito apontado a terra
conforme o arrais

os gritos
correm pela areia
e todos
nunca somos demais

(torreira, século XX)