murmuramos muito


o salvador belo, larga a  bóia, assinalando um andar da solheira
pelos caminhos feitos
de passadeiras cobertos
os que do suor só sabem que nunca
vão para longe pela mão dos que
vão e vêm bastas vezes
vêm e vão as mesmas

e nós
nós aqui a dizer que sim
porque nada dizemos em voz alta
mas murmuramos muito
porém
deram-nos a voz para falarmos alto
dizermo-nos

no silêncio da ria
as palavras também vêm na rede
as que escrevo

as que te queria ouvir dizer
de pé
o salvador belo, larga a  bóia, assinalando um andar da solheira

(ao longe, muito perto, o meu amigo salvador belo, larga as redes da solheira)

companha do marco: a inovação das muletas


 

 

a colocar as muletas

a colocar as muletas

 

já tinha dito noutra publicação que uma das inovações da companha do marco em 2011, tinha sido o novo desenho da muleta.

tradicionalmente a muleta era uma vara única que se apoiava numa peça de metal fixa na ré do barco. na praia de mira, os tractores têm uma peça metálica, em forma de “V” que encaixa na ré do barco abraçando-a, noutras praias o barco vai ao mar em cima de uma plataforma com rodas que vai pela areia empurrada por um tractor e entra no mar, largando o barco.

o marco criou um sistema de muleta composto por duas varas, que entram numas cápsulas de metal colocadas lateralmente na ré do barco e no tractor.

com este sistema o barco entra a direito no mar, sem necessidade de regeira e é muito mais seguro.

neste registo, vê-se o encaixar das muletas nas cápsulas de metal.

 

(torreira; companha do marco; 2011)

no gesto a palavra dita


 

 

praia de mira, barco de mar s. josé

praia de mira, barco de mar s. josé

é tempo de gestos
de dizer fazendo
de ser o que negado foi
calar é consentir
afirmar-se é negar
recusar é querer

ergue-te
maior que tu só tu
ninguém tem o direito de te apoucar
cresce para que cresçam os que de ti
o tempo dos teus será o que lhes deixares

são estes os homens que descendem
dos que foram a longes terras e regressaram
os mais descendem dos que nunca partiram

de quem descendes tu
se não fores a recusa
e o afirmares bem alto
de pé?

 

(praia de mira; companha do zé monteiro)

ir ao mar com o marco (12)


 

o largar da mão de barca

o largar da mão de barca

toda a rede está no mar, a mão de barca corre por sobre o bordão e o barco regressa a terra. mantém-se a atenção no sair da corda, cuidando de que não haja nós ou embaraçamento de rolo.

entretanto, não há descanso a bordo, o agostinho e o ti américo vão escoando o barco da água que entretanto entrou. o agostinho com um balde, o ti américo com o mais vulgar escoador, ou vertedouro, uma embalagem de plástico de 5 litros de lixívia, devidamente cortada e adaptada.

repare-se no facto de o remo se encontrar bem preso, para não perturbar o andamento do barco: uma corda por cima do cágado e outra a amarrá-lo ao banco.

a velocidade é de novo grande. a rede foi largada onde pretendido e chegar a terra é agora a manobra mais delicada: o surf do arribar.

 

(torreira; companha do marco; 2011)

ir ao mar com o marco (11)


 

vermelho vivo, o arinque do calão da mão de barca

vermelho vivo, o arinque do calão da mão de barca

 

a rede já está quase toda no mar. vê-se, na metade da ré do casco, o que falta da manga da mão de barca e na parte da proa, a própria mão de barca (junto à base da fotografia)

de costas, o horácio segura o arinque do calão da mão de barca, para o lançar ao mar ao mesmo tempo que o calão.

o barco está muito mais leve e quase pousa no mar

 

(torreira; companha do marco; 2011)

dias de memória


 

regata de moliceiros, no bico, murtosa, 20017

 

passeio-me pelos dias
cheio de tudo e de nada
o que tenho me basta

há dias em que o cansaço
o desalento a desilusão
se somam e se tornam
maiores que o próprio dia
são os dias de memória

passeio-me por eles
como se os sobrevoasse
pesado e leve de tanto

chego e parto
fico porque

tudo começa
e acaba sem nunca

vou com as aves
escreveu o eugénio
eu quero ir com os cisnes

quero

(murtosa; bico; regata de moliceiros; 2007)

gorim


no guiador a chapa com o nome, obrigação legal

no guiador a chapa com o nome, obrigação legal

aprendi contigo que a terra
é nossa se nos saúdam

lembro-me do mais antigo tempo
eu jovem ainda quase gente
e tu
tu o homem bom de seres assim
de bicicleta os dois
e a saudação

bom dia senhor césar e companhia

eu era a companhia
a companhia que hoje permanece
por mais algum tempo
e a quem tu que já partiste há muito
continuas silenciosamente a acompanhar

isso fomos e seremos sempre
companheiros

o valor da palavra
mais do que dinheiro ou honrarias
a verdade acima da conveniência
o povo mais que os grandes
por bem que não por interesse

regresso a ti para ser eu
bom dia tio césar de ti o

gorim

 

(murtosa)

de pé


 

 

 

torreira, barco de maria de fátima

torreira, barco de maria de fátima

é tempo
é sempre tempo
de fazer

agarra o sonho
ele só existe porque tu
desistir é matá-lo
é morreres sem teres sido

não esperes a mão que te prometeram
sê as mãos que tens
com elas faz e faz-te
tu és o sonho a querer ser coisa de tocar

ergue-te
de pé
diz bem alto

hoje aqui agora
sou e quero que sejam

ir ao mar com marco (10)


 

 

já a manga de mão da barca corre para o mar

já a manga de mão da barca corre para o mar

o saco já está no mar (vê-se a cortiçada colorida à rectaguarda da bica da ré), o arinque do saco, a calima, também (é vermelha e está no mar, ligeiramente à direita da cabeça do pescador de azul). a manga da mão de barca sai por bombordo.

aproveite-se este momento para distinguir os dois modos de fazer um lanço:

– mão acima:  o barco entra no mar em direcção ao sul, a rede sai por estibordo e o lanço é feito no sentido sul/norte

– mão abaixo: o barco sai em direcção a norte, a rede sai por bombordo, e o lanço é feito na direcção norte/sul

o lanço que estamos a acompanhar é um lanço “mão abaixo”

o que define de modo simples, se quisermos, o tipo de lanço, é a direcção tomada pelo largar da rede.

para estas caracterizações socorri-me dos meus mestres e amigos arrais: joão calada e marco silva.

na ria as orientações são similares : norte-cima; sul-baixo, nascente-serra e poente-mar.

 

(torreira; companha do marco; 2011)