crónicas da xávega, torreira (15)


o carregar do saco na zorra

o carregar do saco na zorra

 

meditação à beira mar
há os que lutam pelo futuro
os que vivem o presente
e os que choram o passado

há ainda
os que se fazem presente do presente
para ganharem no futuro
um lugar no passado

pode parecer apenas um jogo de
palavras
uma brincadeira em torno da gramática
mas é um retrato de muito boa gente
são tantos
tão pretensamente felizes consigo mesmos
tão tão eus

esquecem-se de uma coisa simples
é que podem
também eles
ser esquecidos

o espelho é de cristal fino

 

– o carregar do saco na zorra, é tarefa de peso –

 

(torreira; companha do marco; jun, 2014)

regata da ria 2014 (1)


 

 

 

o  oliceiro zé rito com o mastro partido

o oliceiro zé rito com o mastro partido

 

porque nem tudo foi fácil, porque o moliceiro do mestre zé rito quebrou o mastro ao cambar, para entrar no canal de aveiro, é a ele que dedico este registo.

apesar de estar nas condições que se podem ver, a vantagem que levava em relação aos mais afastados da linha da frente era tal, que ainda chegou em quarto lugar.

a classificação final foi a seguinte:

 

Classe  A

 

1º – A. Rendeiro ( Zé Rendeiro – Rebeço )

2º – Dos Netos ( Abílio Fonseca – Carteirista)

3º – Manuel Silva (Manuel Vieira – Valas)

4º – Zé Rito ( Zé Rito)

5º – Câmara da Murtosa

6º – O Amador (Felisberto Amador – Caçoila)

7º O Marnoto (Domingos Marnoto)

8º Manuel Vieira (Manuel Vieira – Valas)

 

Classe B

 

1º Pequenito (Manuel Valente – Vareiro)

2º Cristina e Sara (Ti Virgílio)

 

(ria de aveiro; 28, jun, 2014)

crónicas da xávega (14)


 

o ti augusto segura o nó da corda que prende a calima ao fundo do saco

o ti augusto segura o nó da corda que prende a calima ao fundo do saco

a agulha
desfazer nós
metáforas baratas de falsos consensos
acender uma vela
por pequena que seja
ver e mostrar
saber e dizer

sem pretensões de longe
sem ilusões de muito
falar e dizer
porque calar
é consentir
sabedoria de povo
quantas vezes calado

fina e diminuta a agulha
a picadela

isso tão só

 

(torreira; companha do marco; jun, 2014)

postais da ria (17)


 

 

o velho moliceiro e a cidade nova

o velho moliceiro e a cidade nova

fricção e realidade
realizou-se ontem, dia 28 de junho, mais uma regata da ria. quem acompanhou dia a dia o caminho percorrido até à sua realização, só pode dizer uma coisa: grandes são os homens que ainda vão tendo moliceiros, que sem eles, nada se teria realizado.

a desorganização foi total, apesar de anunciada com pompa e circunstância na página do turismo do centro, como o grande evento do “aveiro weekend 2014” e ser a murtosa considerada a “pátria dos moliceiros”, só na segunda-feira dia 23, se realizou a primeira reunião com os proprietários de barcos, e só nessa altura alguns souberam da regata. convocatória? tá na net!

entre o que consta da brochura sobre o “aveiro weekend 2014” e as actividades que envolveram a regata, qualquer semelhança para além da data, é estranha.

na reunião foi proposta, por quem “de direito”, a participação de bateiras com mais de 7 metros, à vela. proposta que já comentei a seu tempo.

na torreira, de onde parte sempre a regata, só um cartaz anuncia há tempos a semana europeia do cicloturismo. sobre a regata, nada!

ao chegarem a aveiro, não havia qualquer representação das entidades oficiais a saudar os participantes.  depois de chegarem ao parque da fonte nova, ao lago em frente à antiga cerâmica campos – actual centro de emprego de aveiro – houve que esperar que o presidente da câmara de aveiro, chegasse para que se ouvisse o discurso da praxe e tivesse lugar a entrega de prémios.

um discurso com alma, como é de bom tom, afirmando a disposição de apoiar os moliceiros, como os italianos as gôndolas de veneza, tarefa para “os europeus de aveiro” – cito. elogio ao presidente da câmara da murtosa – onde estava? -, à associação náutica da torreira e a todos os moliceiros.

enquanto proferia o seu discurso, mesmo atrás do palco montado para o efeito, jazia, no lago artificial, um moliceiro em estado lastimável, a apodrecer, na tal praça mais nobre de nobre de aveiro, com um hotel de luxo numa das margens.

volto a citar almada negreiros: “  a pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões”. troque-se pátria por aveiro e camões por moliceiros, e temos um retrato actual do que se passa na ria de aveiro.

a fricção da realidade, é gritante para quem não se  limita a fazer “bonitos”, seja em fotografia, seja no que for, mas que queira saber onde vive e esteja atento.

apetece convidar o sr. presidente a participar na próxima regata, no moliceiro que está no largo da fonte nova, jazendo num lago artificial.

 

(aveiro; regata da ria 2014)

regata da ria de aveiro 2014


 

o "a. rendeiro", vencedor da regata a chegar ao destino

o “a. rendeiro”, vencedor da regata, a chegar ao destino

 

depois de muitas e variadas peripécias: quem vai, quem não vai, as bateiras vão ou não vão, chove ou não chove … que foram tantas e tão conformes à desorganização total do evento, só mesmo na hora da partida se soube tudo.

barcos moliceiros que participaram:

 

classe A (barcos com mais de 13 metros)

– murtosa : “a. rendeiro”, “dos netos” e o “moliceiro da câmara”

– torreira: “zé rito”, “manuel vieira” e “manuel silva”

– pardilhó: “o amador”

– gafanha: ” o marnoto”

 

classe B (barcos com menos de 13 metros)

– ovar: “pequenito”

– torreira: “cristina e sara”

em resumo: participaram 8 moliceiros grandes, 2 pequenos e nenhuma bateira, com mais de 7 metros, à vela.

foi uma regata de luxo, com bom vento, bom tempo, boas nuvens e muita competição.

 

a tripulação vencedora:

 

marco silva. zé rebeço e manuel antão

marco silva. zé rebeço e manuel antão

 

todos de parabéns por terem ganho uma regata para a qual arrancaram em último lugar.

 

(ria de aveiro; 28, jun, 2014)

crónicas da xávega, torreira (13)


 

o ti américo e a chegada da manga do reçoeiro

o ti américo e a chegada da manga do reçoeiro

 

queria pensar menos
o tempo das máquinas
não é fim do tempo dos homens
é um outro tempo
onde o mesmo homem é outro

queria pensar menos
viver mais à tona dos dias
boiar por aí
sem âncora
nem raízes

que tempo é este
onde o pão para uns
é uma mesa onde milhões se perdem
em condicional
ou domiciliariamente acomodados
enquanto para outros
é arrancado com raiva aos dias
que começam com o sol?

queria pensar menos
– o ti américo, acelera no alar da manga do reçoeiro e todo ele é o instante –

 

(torreira; companha do marco; jun, 2014)

postais da ria (16)


 

josé miguel e doroteia verónica

josé miguel e doroteia verónica

 

 

em 2012 a regata da ria foi cancelada por “alegada” falta de verbas. a organização era de uma associação sediada na ribeira de pardelhas e que dá pelo nome de “amiria” – associação dos amigos da ria.

nesse ano alguns moliceiros organizaram uma simbólica regata de protesto, com bandeira negra e uma tarja onde se podia ler “NÃO MATEM OS MOLICEIROS”.

em 2013, a organização da regata mudou de mãos e …. realizou-se. os pagamentos dos prémios devidos pela regata efectuada em junho de 2012, prolongaram-se até março de 2013, isto para não falar nas peripécias já contadas em tempo.

o facto é que houve regata e este ano ainda volta a a haver.

no registo de hoje vêem-se os moliceiros ” josé miguel” e “doroteia verónica”, num momento de competição renhida, na regata de 2009.

cinco anos passados e nenhum deles estará na regata de amanhã, já que ambos foram vendidos, por os seus proprietários não terem condições, nem apoios, para os manter.

assim se vai escrevendo a história da ria, a de uma morte lenta a que ano, após ano, alguns vão resistindo e outros sorrindo.

amanhã é mais um dia
(ria de aveiro)

crónicas da xávega, torreira (12)


 

o barco de mar maria de fátima, do arrais marco silva

o barco de mar maria de fátima, do arrais marco silva

dos homens

 

não basta crescer no tempo

ser maior no tamanho

contar mais dias

 

o homem

ou cresce por dentro

ou é a desilusão de o não ser

 

que coisa é o homem?”

perguntava drummond

apetece dizer de alguns

nada mais que coisa

nada mais e muito já é

 

estendo os olhos pela areia

sigo rastos efémeros

e pergunto

 

porquê?

 

(deitado na areia, o maria de fátima ouve-me cúmplice e leva-me para longe de tudo isto. estou no meio de um mar, onde só ele sabe levar-me. sonho sem vontade de acordar)

postais da ria (15)


 

a invenção da memória no cais do bico

a invenção da memória no cais do bico

 

ti zé rebeço

 

chama-se josé rendeiro, mas todos o conhecem por “zé rebeço”. nunca anda descalço, mas com os sapatos que a mãe lhe deu quando nasceu.

ontem, enchi-me de coragem e perguntei-lhe:

-ti zé, quantos anos tem?
-oh cravo, quase três quarteirões

filho de moliceiro e pequenos agricultures, foi criado no meio do moliço e nos moliceiros.

dunate 20 anos ganhou a vida no canadá, onde regressa todos os anos para consoar com filhos e netos.

mais que homem da ria, é um homem com uma dimensão humana rara de encontrar: um homem bom.

decano dos moliceiros da ria de aveiro, não perde uma única oportunidade para viver a ria; em 2009 encontrei-o no cais do bico a fazer uma descarga à moda antiga, de uma barcada de “cabelo de cão” – alga que tinha então aparecido na ria. quis reviver o tempo do moliço como adubo natural e fê-lo com o que a ria dava.

não falta a uma regata de moliceiros e de bateiras à vela.

– três quarteirões se chegar ao fim do ano, cravo!

o ti zé rebeço é um tesouro da ria, nasceu rente a tudo, cresceu à custa de muito trabalho e sacrifício, é um dos homens, poucos, com quem merece a pena usar um dia.

 

(ria de aveiro; murtosa; cais do bico)

 

crónicas da xávega, torreira (11)


 

 

a escolha e eu ... ando por aí

a escolha e eu … ando por aí

 

meditação à beira mar

 

olho agora tudo com o desprendimento
de quem nada mais tem a perder
que a si mesmo
e é tão pouco

se da vida esperei muito
dos homens nunca esperei tanto
mas é tão pouco o que deles vejo hoje
que ser mais um
é pedir de menos a mim próprio

não trago a verdade no bolso
nem a história é coisa que dono tenha
olho sinto e não entendo

continuo a gritar
dentro de um pesadelo

quem me roubou o sonho?
(torreira; companha do marco; jun, 2014)