cada cavadela, cada minhoca


na página da internet da câmara municipal de murtosa encontrei, há dias, esta notícia:

o mestre zé rito a trabalhar (foto da página da cmm)

o mestre zé rito a trabalhar (foto da página da cmm)

Moliceiro em reparação no Museu – Estaleiro da Praia do Monte Branco na Torreira

Quem, por estes dias, visitar o Museu-Estaleiro da Praia do Monte Branco, na Torreira, Murtosa, terá a oportunidade de apreciar o trabalho minucioso de reparação de um barco moliceiro, pelas mãos hábeis do Mestre José Rito. Para além deste trabalho, o Mestre José Rito encontra-se, igualmente, a construir duas novas bateiras.
O Museu-Estaleiro da Praia do Monte Branco, propriedade da Câmara Municipal da Murtosa, é um espaço peculiar de conhecimento e valorização das artes de construção de embarcações tradicionais, assumindo-se como um verdadeiro museu vivo do património marinhão.
No âmbito do protocolo, formalizado em 2009, com a Câmara Municipal, o Mestre José Rito – o único que, actualmente, exerce de forma permanente a arte da construção de moliceiros e bateiras, na área do Concelho da Murtosa – ocupa o espaço do estaleiro, onde executa o trabalho de construção e reparação de barcos, e, mediante a solicitação de escolas e grupos organizados, dá a conhecer os vários aspectos associados à arte que exerce. O Museu-Estaleiro está, de igual modo, aberto a todos aqueles que queiram observar os processos de construção e reparação das embarcações.”

fim de citação ver em:

http://www.cm-murtosa.pt/Templates/GenericDetails.aspx?id_object=7515&divName=116s154s4&id_class=4
ora cá está uma boa notícia que eu divulgo com todo o gosto – não estranhem por favor.

convido, todos os que puderem, a fazerem uma visita ao estaleiro e verem o mestre zé rito a trabalhar, nunca é tempo perdido, fazem-se boas fotografias e aprende-se com quem sabe.

agora só algumas notas – para não estranharem

não pensem que vão ver o mestre a fazer a recuperação do moliceiro dentro do estaleiro – aliás a foto não engana a esse respeito. e não vão ver por uma razão muito simples: não pode.

vão vê-lo a trabalhar no exterior, porque o estaleiro não tem dimensões suficientes para que nele caiba um moliceiro, só dá para bateiras. é um estaleiro virado para o futuro, fala-se de moliceiros mas não se constroem.

registem, dentro do estaleiro, a forma como foi aproveitada a luz natural e nunca mais se esquecerão daquilo de que é capaz a inteligência humana, quando posta ao serviço da ecologia na arquitectura….

quanto ao moliceiro que vão ver em reparação, desenganem-se se pensam que é um barco para navegar na ria, em substituição dos dois que foram vendidos para o turismo de amputados em aveiro. não, é um amputado do turismo de aveiro que veio para ser reparado.

esperanças?

assim se preserva o moliceiro naquela que é a sua pátria, depois queixem-se

os moliceiros têm vela (53)


do silêncio

"NÃO MATEM OS MOLICEIROS", no moliceiro "dos netos", do ti abílio, usada no protesto contra o cancelamento da regata da ria, no mês de julho

“NÃO MATEM OS MOLICEIROS”, no moliceiro “dos netos”, do ti abílio, usada no protesto contra o cancelamento da regata da ria, no mês de julho

escrevo silêncio
para que não o seja
mesmo que não ouças
não as leias
as palavras ouvem-se

há nãos a mais
nestas linhas poucas
onde nada
absolutamente nada
acontece para além

de silêncio escrito
não o sentes?

em 2012 o grito era este. continuam a deixá-los morrer

em 2012 o grito era este. continuam a deixá-los morrer

(murtosa; regata do bico; 2012)

os moliceiros têm vela (51)


do ouvir

como se planassem

é esta a luz, é este o cantar

uma voz antiga
debruçada na janela
dos meus olhos
canta

canta como se
ouvisse outras vozes
mais antigas
cantar

cantar palavras de luz
é destino
de quem nasceu para
ouvir

ouve-as comigo

foi para ti que cantei esta canção

foi para ti que cantei esta canção

(torreira; regata do s.paio; 2010)

vivelinda bastos


a ria não dá para camaradas

a encomenda

a encomenda

um saco de 20 kg ao ombro
depois de várias horas curvada
na apanha no cirandar na escolha

a maior fábrica do distrito
emprega homens e mulheres
da murtosa e arredores

mariscadores desempregados
legais e clandestinos
ganham na apanha dos bivalves
o amargo pão que levam à boca

a ria não dá para camaradas

e elas deixam a casa e vão
na bateira ao lado do homem
mais dois braços duas pernas

o corpo depressa se desgasta
no rosto os traços fundos
cavados pelo sal o sol a dor

são as  mulheres da ria

o esgar do esforço

o esgar do esforço

(torreira; marina dos pescadores)

o ciclomoliceiro


o cartaz do encontro

o cartaz do encontro

de 6 a 12 de julho, de 2014, decorreu, na murtosa a “X Semana  Europeia do Cicloturismo”.

segundo os dados fornecidos pelo município estiveram presentes 1300 cicloturistas de 12 países, instalados em tendas e roulotes num “mega centro logístico, na Torreira, com mais de 65.000 metros quadrados, que englobou o parque de campismo da Torreira e a área localizada a poente deste.

todos os dias os cicloturistas saíam da torreira, pela rotunda norte, quem vem do mar, para efectuarem o programado para esse dia. houve somente um dia livre.

como se pode ver no cartaz do evento, mesmo ao cimo, um moliceiro. Importante notar que foi o único que os cicloturistas viram durante a sua estadia.

todas as manhãs passei na rotunda, olhei para a ria e …. não havia um moliceiro sequer, varado ou a navegar, para “cicloturista ver”.  nem no dia livre, em que muitos vi a passearem de bicicleta na torreira e em torno da ria, houve qualquer evento com moliceiros.

penso que não foi por não ter havido intenção, mas sim por falta de verbas, outra justificação não encontro, mas mesmo essa difícil de compreender.

é assim na pátria do moliceiro.

ainda hei-de ver um moliceiro com duas rodas e pedais a circular no alcatrão e, então sim, veremos o ciclomoliceiro, inventado na murtosa, a espreitar para a ria com saudades do tempo em que tinha vela e navegava.

os moliceiros têm vela (49)


da praça

a luta é dura

a luta é dura

no centro da praça
não navegam barcos
correm papéis por sobre
secretárias modernas
onde escribas ocupam cadeiras
e fabricam o tempo à medida
dos senhores da terra

do centro da praça
partem emissários e ordens
encomendas e despachos
fabricam-se realidades
emitem-se pagamentos
decide-se o quê
quando como para quem

ao centro da praça
exactamente ao centro
uma coroa de flores
espera os fiéis

defuntos

mais dura é a razão

mais dura é a razão

(ria de aveiro; regata da ria; 2010)