postais da ria (561)


t  r  ê  s     h  o  r  a  s 

tinha vinte anos
chamava-se sayfollat musallet
tinha ido visitar a família
à cisjordânia era palestiniano

foi baleado por colonos israelitas
mas não bastava

chamada a ambulância
os colonos cercaram-no durante

t r ê s h o r a s

impediram que a ambulância
o socorresse

assassinaram-no duas vezes
a primeira por ódio
a segunda por sadismo

colonos israelitas

c o l o n o s i s r a e l i t a s

na cisjordânia
não em gaza

t r ê s h o r a s

(torreira; 2013)

postais da ria (560)


os bárbaros vestem-se de automóveis oficiais 
seguranças aviões têm casa em paraísos fiscais

os bárbaros assassinam friamente
em nome do deus do dinheiro
sacrificam o futuro à ganância efémera

os bárbaros caminham sobre corpos
esfacelados de crianças mortas
de fome de tiro certeiro de estilhaços

os bárbaros apertam mãos abraçam
recolhem apoios de gente aparentemente limpa
com valores escondidos nos bolsos

os bárbaros mandam comandam fazem
comem em mesa farta e nada vêem para além
do prato cheio regado a sangue inocente

os bárbaros são presidentes eleitos governam
ditam leis aprovam decretos e orçamentos de guerra
fracos os cúmplices calam consentem e sorriem

os bárbaros roubam com um sorriso cândido
iludem-se patrões de um mundo sociedade anónima

os bárbaros morrerão e o seu legado será
destruição e morte negação de humanos terem sido

(corrida de chinchorras a remos; s. paio; torreira; 2018)

crónicas da xávega (608)


este é o meu tempo
o meu mundo é aqui
se quero ser é aqui e agora

recuso-me a ficar sentado
à soleira da porta a falar
com as árvores e as flores
ou contigo amor que invento
costas viradas ao coração da casa
não ouvindo não vendo
a desumanidade dentro dela

é aqui e agora
com as parcas armas que tenho
palavras palavras tão pobres
mas que mordem ferem cortam
denunciam

é aqui e agora
ou amanhã não sei onde
terei vergonha de não ter sido

por isso escrevo
porque a realidade ultrapassa
é o genocídio em gaza

(xávega; dar o porfio; torreira; 2011)